Oferta Consumidor: 4 revistas pelo preço de uma

Chega de pregar no deserto

A Copa no Catar tem evidentes problemas – mas é sempre bom deixar os preconceitos de lado para entender melhor o mundo

Por Fábio Altman Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 20 nov 2022, 13h39 - Publicado em 20 nov 2022, 12h55

AL KHOR – Não há apenas um modo de enxergar o mundo, e por isso é conveniente antes olhar para a própria esquina e somente depois apontar o dedo para os outros. As mortes de operários na construção dos estádios do Catar foram sobejamente comprovadas – fala-se em milhares de pessoas, em sua maioria imigrantes indianos. Cabe lembrar, contudo, que pelo menos nove operários morreram em acidentes de trabalho nos canteiros de obras para a Copa de 2014, no Brasil. Não se trata, é claro, de relativizar o que não pode ser relativizado, as perdas de vidas são todas iguais, mas o paralelismo histórico é vital. No Catar e no Brasil houve pressa e sonhos de grandeza. Cabe prestar atenção, agora, no que disse o nepalês Rampriya Raya ao jornal Sunday Mirror ao relembrar da morte do filho, Sanjib, de 28 anos, que labutava desde a pedra fundamental no sítio onde subiu o Estádio Al Bayt, palco do jogo de abertura do Mundial de 2022 entre Catar e Equador. “É um insulto para a memória do meu filho e de outros imigrantes, o estádio foi construído com o sangue e o suor dos trabalhadores”, disse.

Rampriya seguirá protestando e chorando, desolado e desatendido. Estará ao lado dos voluntários da Anistia Internacional até que a FIFA aceite pagar a indenização pedida, em um valor total de 400 milhões de dólares – e que por ora não conseguiu eco. Disse Gianni Infantino, o presidente da entidade que manda no futebol, na véspera do pontapé inicial: “Depois do que nós, europeus, fizemos ao mundo nos últimos 3 000 anos, caberia pedir desculpas por mais 3 000 anos antes de darmos lições de moral”.  Ele tem razão, ao menos nesse ponto – mas, insista-se, não se trata de passar a mão na cabeça das autoridades cataris, que têm um problema de direitos humanos que não pode ser jogado para debaixo do tapete mágico. 

O comentário de Infantino convida a um outro raciocínio: a primeira Copa do Mundo no Oriente Médio, a primeira em novembro e dezembro, soa estranha, as sensações iniciais são esquisitas, mas convém deixar de lado o julgamento prévio, filho da estranheza. Haverá nos próximos 30 dias o inevitável choque para os ocidentais. E atire a primeira pedra quem, ao se aproximar do Al Bayt, não quis tirar fotos com os camelos postados à entrada da arena, na tarde de 20 de novembro, ou então não fez uma selfie com os homens vestidos com as dishdashas, as túnicas que cobrem o corpo todo, em geral brancas.

Camêlos na entrada do estádio de Al Bayt
Camelos na entrada do estádio de Al Bayt (Fabio Altman/VEJA)

Chegar ao Al Bayt, vindo de Doha, em uma hora de estrada, significa avançar para dentro do deserto, na região de Al Khor – e, no meio do nada, dar com o colosso, como quem enxerga uma miragem ou então se depara com uma tenda de beduínos. E é isso mesmo, a arquitetura idealizada por um escritório do Líbano foi inspirada nas tendas, como se as arquibancadas fossem envelopadas por panos. O interior é luxuoso, com mármore (ah, mas no Itaquerão também tem mármore) e tecidos coloridos inspirados nos desenhos dos nômades que vagavam pelas areias até parar à margem do Golfo Pérsico para pescar e depois descobrir petróleo e gás. O Al Bayt tem capacidade para 60 000 pessoas. Tem teto retrátil. Depois da Copa será reduzido a 32 000 lugares e parte dele transformado em hotel. Custou 770 milhões de dólares. É suntuoso e bonito – e talvez seja inevitável lembrar que nele caiu o nepalês Sanjib. 

Continua após a publicidade

A Copa começou, com a louvação da cultura catari na bonita festa de inauguração, antes do jogo – e com ela, agora e até 18 de dezembro, como retrato da civilização, estarão na ribalta todas as contradições da sociedade. Ou, parafraseando Caetano Veloso em Sampa, o que se vê no Catar do futebol é a força da grana que ergue e destrói coisas belas, como o Al Bayt – ou então, que ergue coisas bonitas a custo de desconstrução ética, porque havia pressão de tempo e muito, muito dinheiro envolvido. 

CATAR X EQUADROjogo de abertura da Copa
A entrada do espaço VIP do Al Bayt Stadium: luxo por 700 milhões de dólares (Ricardo Corrêa/Placar)
Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

SEMANA DO CONSUMIDOR

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas R$ 5,99/mês*
ECONOMIZE ATÉ 47% OFF

Revista em Casa + Digital Completo

Nas bancas, 1 revista custa R$ 29,90.
Aqui, você leva 4 revistas pelo preço de uma!
a partir de R$ 29,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a R$ 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.