É esporte ou não é? Estreante nos Jogos de Paris, o breaking atiça um animado debate
Modalidade dá o ritmo na arena e nas ruas
Emoldurado pelo que sobrou de uma arena do tempo dos romanos, em Paris, um enérgico grupo de crianças pula, gira, movimenta braços e pernas, tudo embalado por um rap que toca alto na caixa. Alguns dão uma escapulida para assistir no telão a uma partida de tênis de mesa jogada por um craque francês. A imensa maioria dos meninos e meninas ali , contudo, parece se divertir com seus primeiros passos no breaking, capitaneada por uma figura proeminente no meio — Sako Moussa, o “Coronel”, de 31 anos. “É uma imersão numa cultura nova, um aprendizado muito bom para eles”, avalia o b-boy, como são chamados os praticantes, mestre nas coreografias cujas raízes foram plantadas nos anos de 1970 por negros e latinos do Bronx, em Nova York, e se disseminaram pela periferia de diversos países, o Brasil entre eles. Agora, a dança de tirar o fôlego por seus radicais malabarismos alcançou novo patamar ao virar modalidade olímpica, estreante nos Jogos de Paris, agitando conhecidos cartões-postais e levantando discussão mercurial: afinal, é ou não é esporte?
A resposta: sim, é o que se veria nos dias 9 e 10 de agosto, sexta e sábado. Animadas competições de breaking a marcar o ritmo na Place de la Concorde, observadas pelo onipresente Obelisco de Luxor, o mais antigo monumento na cidade. A variada audiência: gente jovem, justamente a motivação do Comitê Olímpico Internacional (COI) ao alojar a dança em sua grade esportiva. Nos últimos anos, o COI vem lidando com o desafio de renovar o interesse pelos Jogos e, por isso, a cada edição amplia seu leque, que recentemente passou a abrigar surfe, escalada e skate —também disputado na mesma praça parisiense, com imenso sucesso. “A Olimpíada está fazendo mais pessoas prestarem atenção no breaking, e queremos incentivá-lo nos colégios, para as jovens gerações mexerem o corpo e ter contato com uma forma diferente de expressão”, diz Pierre Bonnat, à frente do Office du Mouvement Sportif, uma alçada que cuida da educação esportiva em Paris.
Por trás do espetáculo que arejaria a reta final da Olimpíada, há um ponto que convida a refletir sobre o que faz de uma atividade física humana um esporte. “O breaking é artístico, mas extremamente atlético. Fica na interseção entre as duas coisas”, afirma Claire Warden, estudiosa do tema na Universidade de Loughborough, na Inglaterra. Quando praticado livremente nas ruas, em rodas conhecidas como cyphers, é uma dança como tantas outras. Mas uma vez revestido de normas que balizam o olhar de juízes, aí, sim, pode adentrar o território esportivo. “Esporte é toda a atividade física competitiva com regras bem definidas, e a dança se encaixa bem no termo”, diz José Bispo de Assis, o Bispo SB, gerente esportivo de breaking da Confederação Nacional de Dança Desportiva. Soa simples, porém não é. “Eu me vejo como dançarino, não como atleta”, esclarece Coronel, que dá voz a uma ala dos adeptos.
Os juízes em Paris atribuem notas à performance dos 32 homens e mulheres às voltas com freezes (paradas acrobáticas repentinas) e spin moves (com muito giro envolvido), norteados por critérios delineados pela World Sports Federation que tomaram as feições olímpicas em 2021, estabelecidos pelo COI. São ao todo cinco, todos com idêntico peso — técnica, execução, musicalidade, vocabulário (em que é observada a gama de movimentos) e originalidade, esse é o item sobre o qual pesa mais controvérsia. Um grupo alega ser subjetivo demais, fonte para possíveis distorções na hora de julgar. “Há uma subjetividade aí, mas o mesmo pode se dizer da patinação artística ou da ginástica”, pondera Warden, pondo mais fervura ao caldeirão. As apresentações de um minuto têm alta capacidade de improviso, ingrediente que traz mais emoção ao show. O dançarino-atleta não sabe de antemão qual a música que embalará sua exibição e precisa se adaptar em tempo real à batida. Mesmo quem boia no tema, caso de quase toda a plateia olímpica, tende a ser fisgado pela dinâmica do espetáculo.
Na origem, o breaking foi a trilha encontrada por pessoas que se viam nas franjas da sociedade para ter alguma voz. Agora, em sua embalagem para os Jogos, foi lançado com força ao mainstream, ganhou palco global e um apoio para lá de bem-vindo, já que tem muito b-boy e b-girl por aí à míngua. Grandes figuras do breaking brasileiro não conseguiram vaga na Olimpíada por falta de recursos. “Não é questão de talento, mas de estrutura mesmo”, afirma Bispo, da Confederação de Dança Desportiva. Embora em países como os EUA mais dinheiro tenha afluído, a dança que ganhou fama com filmes como Breakin’, dos anos de 1980, não estará na próxima edição olímpica, em Los Angeles (leia a reportagem na pág. 62). Os organizadores avaliaram que outras novas modalidades, como críquete e squash, farão girar mais a máquina de patrocínios. Mesmo fugaz, porém, a passagem do breaking por Paris demonstra seu poder de fazer o mundo dançar.
Com reportagem de Caio Saad
Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2024, edição nº 2905