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Jogos de Inverno: ômicron é balde de água fria nos planos chineses

A China queria fazer dos Jogos Olímpicos em Pequim um espetáculo de liderança geopolítica. Será, mas agora embaçado pelo recente surto da variante

Por Fábio Altman Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h16 - Publicado em 23 jan 2022, 08h00

O mundo vivia uma pandemia. A I Guerra terminara. As fronteiras entre os países tinham sido abertas muito recentemente. Para chegar a Antuérpia, cidade portuária da Bélgica, palco da sétima Olimpíada da Era Moderna, em 1920, a trupe do atirador esportivo Guilherme Paraense — primeiro medalhista de ouro da história brasileira — viveu uma saga de cinema. O embarque foi em 2 de julho. O navio chegaria ao destino em 5 de agosto — em viagem na terceira classe, mais ao fundo do que Leonardo DiCaprio no Titanic. Dormiam todos no chão do bar imundo ou no convés. Ao saber que desembarcariam depois do início da competição, pegaram um trem em Lisboa, com vagões abertos, à mercê do sol, do vento e da chuva. Pior: na alfândega tiveram as armas e munições confiscadas. Ludibriaram os guardas, esconderam o que deu, mas depois foram roubados.

Corte para 2022. O mundo vive uma pandemia. As fronteiras entre os países começam agora a ser abertas. E a aventura a caminho de Pequim, sede dos Jogos de Inverno a partir de 4 de fevereiro, parece ter sido extraída de um documentário do início do século XX. A China queria, e quer ainda, fazer do torneio um símbolo de seu poderio, a primeira grande festa mundial depois do maldito novo coronavírus. Mas veio o balde de água fria.

A variante ômicron — associada ao zelo chinês para manter o número de casos no país próximo de zero, acredite quem quiser — forçou imensa mudança de planos. Nas próximas semanas, Pequim será palco de uma experiência inédita, uma bolha muito mais rigorosa que a da NBA na Disney, em 2020, ou de Tóquio, na Olimpíada do ano passado. Multiplique-se as restrições por 1 000, e bem-vindo ao que os organizadores alcunharam de closed loop, em inglês, o circuito fechado seguido de perto por tropas severas. Quem sair da linha será imediatamente posto no avião de volta para casa.

DE TIRAR O FÔLEGO - A brasileira Nicole Silveira: destaque na mais veloz das modalidades em disputa, o skeleton -
DE TIRAR O FÔLEGO - A brasileira Nicole Silveira: destaque na mais veloz das modalidades em disputa, o skeleton – (Viesturs Lacis/IBSF/.)

Para começo de conversa, os mais de 2 000 atletas esperados na cidade, além de 25 000 profissionais de apoio, só poderão embarcar em voos diretos a partir de Paris, Singapura, Hong Kong e Tóquio. Todos duplamente vacinados — quem não conseguir comprovar a imunização terá de se submeter a 21 dias de quarentena em hotéis fechados como prisões, ou seja, já precisam estar lá. Testes com resultado negativo são compulsórios 96 horas e 72 horas antes do último trecho direto de avião. Do aeroporto, seguirão em vagão exclusivo para a hospedagem. Dali só sairão para as competições, ida e volta, rastreados eletronicamente em programas baixados nos smart­pho­nes. Terminada a participação, terão 72 horas para deixar o país. Nada de turismo, nada de perambular pelas ruas, nada de nada. Em Tóquio, depois de catorze dias olímpicos, os visitantes foram liberados para fazer o que bem quisessem, de máscaras, por óbvio. Em Pequim, não. As arquibancadas também estarão vazias, silenciosas.

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No Japão, houve 400 episódios de contaminações dentro da chamada família olímpica. Na China, a ideia é evitar um único caso. “Se atravessarmos a disputa sem surto, seria uma medalha de ouro a ser reivindicada”, diz Yan­zhong Huang, diretor do Centro de Estudos de Saúde Global da Universidade Seton Hall. A ver. O Brasil levará onze atletas, numa delegação total de 31 pessoas. O COB, por via das dúvidas, tratou de ser mais realista do que o rei, em postura positiva e aplaudida, e impôs à turma outro par de testes, além dos dois obrigatórios. “O maior desafio logístico é o tempo curto entre a definição oficial dos classificados, com o ranking olímpico fechando no dia 17 de janeiro, e o primeiro atleta do Brasil, competindo já no dia 3 de fevereiro, antes até da Cerimônia de Abertura”, disse a VEJA Anders Pettersson, chefe da missão. “Apesar de já estarmos acostumados com esse tipo de prazo, Pequim tem a peculiaridade de ser realizado em um contexto pandêmico, com muitas restrições para a entrada na bolha.”

Furá-la, só mesmo pela televisão (para o Brasil a transmissão será pelo SporTV). Será, como sempre, um espetáculo plasticamente inigualável, em meio ao gelo e ao branco da neve. Vale a pena ficar de olho na brasileira Nicole Silveira, da modalidade skeleton, aquela em que o competidor se lança em um trenó e desce de cabeça a pista. Vence quem tiver o menor tempo na soma das descidas. É de tirar o fôlego, como boa parte das disputas olímpicas. Apesar da pandemia, apesar da ômicron, os Jogos de Pequim entregarão um fascinante espetáculo de esporte e geopolítica global.

Publicado em VEJA de 26 de janeiro de 2022, edição nº 2773

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