Messi nos EUA, Neymar na Arábia Saudita: o que indicam as duas escolhas
Destinos dos craques revelam o modo inteligente com que o argentino construiu sua carreira e a maneira torta e bagunçada com que o brasileiro trilhou a sua
O que é, o que é? É rosa, mas não é Barbie, o arrasa-quarteirão que fez mais de 1,8 bilhão de dólares em todo o mundo e no Brasil já foi visto por mais de 10 milhões de pessoas? A resposta: a cor do uniforme do Inter Miami, o time de futebol de Fort Lauderdale, na Flórida, de propriedade de David Beckham e alguns outros sócios, e que acaba de contratar o argentino Lionel Messi. Vive-se, naquele pedaço dos Estados Unidos, a messimania — ela não tem a dimensão da barbiemania, mas provoca imenso alvoroço. O camisa 10 argentino, de 36 anos, receberá o equivalente a 315 milhões de reais para cada um dos dois anos de seu contrato. Terá, ainda, direito a participação de lucros do time depois da aposentadoria e percentual dos ganhos da Adidas, principal fornecedora da liga de soccer.
O que é, o que é? É azul na aparência, anda com as mangas de fora, quer aparecer, mas vem de um país autocrata em que o céu não está para brigadeiro? A resposta: o uniforme do Al-Hilal, equipe da Arábia Saudita, que levou Neymar. O brasileiro, de 31 anos, vendido pelo PSG, embolsará 850 milhões de reais por ano, em duas temporadas.
Os destinos de Messi e Neymar, ao decidirem, já perto do fim da carreira, calçar as chuteiras em dois novos centros do futebol, são semelhantes apenas na aparência. Iluminam, contudo, duas escolhas distintas. Mais do que isso, revelam o modo inteligente e organizado com que o argentino construiu sua carreira e a maneira torta e bagunçada com que o brasileiro trilhou a sua. Messi ganhou tudo o que quis — foi sete vezes o melhor do mundo, ergueu quatro vezes a taça da Liga dos Campeões e, glorioso, levou a Argentina ao tricampeonato mundial no Catar. Neymar não ganhou nada do que imaginava — não foi o melhor do mundo, ganhou uma única Champions (mas tinha Messi ao lado no Barcelona) e, com a canarinho brasileira, mais rolou no gramado do que jogou.
Um, o herdeiro de Maradona, até abriu mão de um convite saudita, também do Al-Hilal (na casa de 1 bilhão de reais a cada doze meses), para apostar nos Estados Unidos, que em 2026 dividirá a Copa do Mundo com México e Canadá. O outro, que nasceu como filho de Pelé, mas decepcionou, nem escolha teve — queria mesmo era retornar para o Barcelona, pensava permanecer na Europa, mas foi esbanjado pelos dirigentes catalães e pelo treinador Xavi. Sentiu a cor do dinheiro, e não é pouco (são 26 reais por segundo, 1 600 reais por minuto…), e decidiu mergulhar no ostracismo da Arábia Saudita. Sim, há algum estardalhaço artificial com mais de 1 bilhão de dólares na mesa para atrair estrelas envelhecidas, como Cristiano Ronaldo, de 38 anos, no Al-Nassr, e Benzema, de 35, no Al-Ittihad, mas é mais fácil passar um camelo pelo buraco da agulha do que considerar o Sauditão interessante. Não é. “Sempre quis ser um jogador global”, disse Neymar, com um tanto de desfaçatez.
Os Estados Unidos também representam acostamento — mas a história mostra que há, ali, espaço para novidades. E os americanos, convenhamos, sabem como fazer do limão uma limonada. De algum modo, e não há aqui exagero, a chegada de Messi tem um quê do tom do desembarque de Pelé no Cosmos, em 1975. Mas há diferenças, e elas precisam ser destacadas. A primeira delas: o charme e o poder amplificador de Nova York. Além disso, o Rei foi recebido pelo presidente Gerald Ford e, na partida de despedida — “e Pelé disse love, love, love”, como cantou Caetano Veloso —, atraiu ninguém menos do que Muhammad Ali. Messi faz a caixa registradora tilintar, o Inter Miami saltou de 1 milhão de seguidores no Instagram para 14 milhões de fiéis, mas talvez não produza o efeito de Pelé, que praticamente inventou o futebol pelas bandas de lá.
E Neymar? Pode vir a se tornar um garoto-propaganda do xeque, e só. Talvez fizesse melhor se seguisse os passos de Messi, amigo de longa data, na Espanha e no PSG, com quem compartilhou celebrados sorrisos depois da derrota na Copa América de 2021. Mas ninguém, além dos sauditas, o quis. “Messi sempre passou a imagem pública de um homem de família, com uma vida estável, sem excessos”, diz Simon Chadwick, autor de The Geopolitical Economy of Sport: Power, Politics, Money and the State. “Não é o caso de Neymar.” Se tudo der errado, e não for possível pregar no deserto, ele terá o quadrúplex de pelo menos 20 milhões de reais em Camboriú, cujas chaves acaba de receber.
Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2023, edição nº 2855