Ao passear pelo Parque Ibirapuera, em São Paulo, olhos desavisados podem se surpreender com pessoas fazendo imensas filas para praticar uma espécie de simpático Frankenstein esportivo. A rede é parecida com a do tênis, as raquetes lembram as do pingue-pongue, as dimensões da quadra são semelhantes às do badminton, a e a bola… bem, ela é perfurada, muito leve, e diferente de qualquer outra. Bem-vindo a um fenômeno que explodiu recentemente nos Estados Unidos, agrada a jovens e idosos, mulheres e homens, gregos e troianos, e que começa a desembarcar com vigor também no Brasil. É o pickleball.
Criado na década de 1960 por três vizinhos americanos (leia no quadro), tinha o propósito de manter as crianças ocupadas em dias chuvosos. Segundo a Associação da Indústria de Esportes e Fitness dos Estados Unidos, o número de praticantes no país cresceu 21% em 2020 e 14% no ano passado. São quase 36,5 milhões de pessoas que jogaram pickleball pelo menos uma vez nos últimos doze meses nas mais de 10 000 quadras espalhadas por lá. O que provocou o crescimento astronômico? “É uma ótima maneira de permanecer ativo, mantendo pelo menos 1,80 metro de distância um do outro”, disse a VEJA Stu Upson, ex-CEO da USA Pickleball, entidade máxima da atividade, em referência ao auge da pandemia e ao distanciamento social. E o que brotou por zelo virou sinônimo de saudável confraternização.
De fato, o pickleball é inclusivo. Além de ser mais fácil de aprender do que o tênis, o ritmo é mais lento e há menos terreno a percorrer. Algumas pesquisas sugerem que, além de poupar as articulações, ele pode ser mais seguro para quem tem problemas cardíacos. O lema, propagado pelos adeptos, é que qualquer um pode entrar em uma quadra e aprender o básico em uma hora. Dá para jogar individualmente ou em duplas, em ambientes fechados ou ao ar livre. A regra é clara: basta sacar a bola por baixo, fazê-la atravessar a rede e atingir, na diagonal, o solo da quadra do adversário. A pontuação é marcada apenas pela equipe sacadora, e cada partida se encerra com 11 pontos. Nada que exija condicionamento especial ou força de outro mundo.
A diversão se espalha com velocidade, porque o boca a boca amplia o interesse. Quem já jogou gosta. “Sou como um pato, não pulo nem nado direito. Mas, depois que entrei numa quadra de pickleball, nunca mais saí”, diz José Eduardo Guilger, operador do mercado financeiro aposentado que inaugurará, em junho, um espaço dedicado à atividade na capital paulista. Estima-se em 2 000 os praticantes no Brasil, e crescendo, mas em postura ainda amadora, embora exista a Associação Brasileira de Pickleball, fundada em Governador Valadares (MG), cidade que ganhou fama como exportadora de cidadãos para os EUA. “Já fizemos quarenta torneios pelo país, voluntariamente, por paixão”, diz Antonio Rodrigues Coelho Junior, presidente da entidade. Nos Estados Unidos, ao contrário, há profissionalismo e campeonatos estruturados.
Não há dúvida de que o pickleball parece ter longa estrada. Seja como entretenimento, seja competitivo. Com setenta países reunidos numa federação, a expectativa é que a modalidade possa estrear na Olimpíada de 2028 na categoria “demonstração”. Mas uma pergunta parece não calar: em um país de imenso litoral, como o Brasil, o pickleball, afeito a parques urbanos, entre prédios, vai mesmo colar? A medir pelo sucesso do beach tennis, sim. Eis aí um nobre desafiante para o frescobol — invenção carioquíssima, filha da Praia de Copacabana, e que tem uma característica única: joga-se por jogar, basta que a bola não caia na areia, pela graça de vê-la ir de um lado para o outro. O pickleball vai suar para chegar lá.
Publicado em VEJA de 24 de maio de 2023, edição nº 2842