Morre Pelé, o Rei do Futebol, aos 82 anos
O eterno camisa 10, o Atleta do Século e o brasileiro mais conhecido de todos os tempos agora é definitivamente uma lenda
Ao fim da Copa de 1970, o jornal inglês The Sunday Times publicou uma manchete que faria história. “Como se soletra Pelé? G-O-D.” Edson Arantes do Nascimento, o deus do futebol, o atleta do século XX, o brasileiro mais conhecido de todos os tempos, morreu nesta quinta-feira, 29. Tinha 82 anos e estava internado desde o último dia 29 de novembro no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, para tratamento de um quadro de infecção respiratória e reavaliação da terapia quimioterápica – que, assim como os medicamentos, já não respondia mais para interromper o crescimento de metástases. Pelé, mais do que nunca, é eterno.
A morte de Pelé foi anunciada por sua filha, Kely Nascimento, nas redes sociais. “Tudo que nós somos é graças a você. Te amamos infinitamente. Descanse em paz”, escreveu ela. Segundo boletim do hospital, Pelé morreu às 15h27 “em decorrência da falência de múltiplos órgãos, resultado da progressão do câncer de cólon”.
No início da semana passada, Kely Nascimento publicava em texto nas redes sociais que Pelé passaria o Natal internado. Pouco depois, o hospital divulgou um boletim médico informando que o câncer de cólon do ex-jogador havia progredido e exigia maiores cuidados.
“Internado desde 29 de novembro para uma reavaliação da terapia quimioterápica para tumor de cólon e tratamento de uma infecção respiratória, Edson Arantes do Nascimento apresenta progressão da doença oncológica e requer maiores cuidados relacionados às disfunções renal e cardíaca. O paciente segue internado em quarto comum, sob os cuidados necessários da equipe médica”, explicou o Einstein na ocasião.
Durante a última edição da Copa do Mundo, o Rei foi homenageado por jogadores, associações e diversos torcedores na Copa do Mundo e publicou algumas mensagens em suas redes sociais. Na última delas, em 5 de dezembro, manifestou apoio à seleção brasileira lembrando da participação na Copa de 1958, quando tinha apenas 17 anos e caminhava pelas ruas de Estocolmo, na Suécia, ao lado do ex-volante Zito (1932-2015). Horas depois, o Brasil acabaria goleando a Coreia do Sul por 4 a 1, pelas oitavas de final do Mundial.
Em 1958, eu caminhava pelas ruas pensando em cumprir a promessa que fiz ao meu pai. Sei que hoje muitos fizeram promessas parecidas e também vão em busca da sua primeira Copa do Mundo.
Assistirei ao jogo do hospital e estarei torcendo muito por cada um de vocês. Boa sorte! 🇧🇷 pic.twitter.com/3CRI8v6H55
— Pelé (@Pele) December 5, 2022
Na partida de Brasil contra Camarões, uma imensa bandeira foi aberta atrás de um dos gols – nela havia a frase: “Pelé, fique bom logo”. Em um dos edifícios modernos de Doha, um painel eletrônico também lembrou a grandeza do camisa 10.
Pelé foi encaminhado à unidade de saúde há 24 dias após apresentar um quadro de inchaço em todo o corpo. De acordo com informações da ESPN, o ex-jogador foi levado ao hospital pela mulher, Márcia Aoki, e por um cuidador local. Na chegada, a equipe médica constatou a anasarca (inchaço generalizado), uma síndrome edemigêmica (edema generalizado) e uma insuficiência cardíaca descompensada.
Ele também já havia sido internado em fevereiro no Einstein para o tratamento de uma infecção urinária. Seis meses depois, voltou a dar entrada no hospital em meio ao tratamento dos tumores.
Uma carreira inigualável
Autor de 1.283 gols, vencedor de três Copas do Mundo com a seleção brasileira e mais dois Mundiais com o Santos em duas décadas de carreira, o mineiro de Três Corações foi o maior nome da história do futebol – esporte que, em grande medida graças a seu talento e carisma, se tornou o mais popular do planeta no século XX.
Desde sua aposentadoria dos campos, em 1977, Pelé passou a se revezar em funções de empresário, garoto-propaganda, embaixador de entidades beneficentes e até titular de cargos públicos – entre 1995 e 1998 foi ministro do Esporte do governo Fernando Henrique Cardoso. Nos últimos tempos, porém, já estava afastado de trabalhos comerciais.
O seu antigo assessor pessoal, José Fornos Rodrigues, o Pepito, anunciou em 7 de abril deste ano o fim da parceria com o Rei do Futebol. O fiel escudeiro de Pelé desde 1971 alegava não haver mais sentido a ligação profissional devido à prioridade exclusiva do ex-jogador, a quem chama de amigo, em cuidar da saúde.
“Devido à situação do Pelé, ele e eu de comum acordo resolvemos que minhas atividades de assessor pessoal dele estão encerradas. Assim sendo, todos os assuntos relativos à saúde dele e consultas vindas da imprensa e admiradores em geral (por exemplo) deverão ser dirigidos pelos interessados ao Joe Fraga, CEO da Sports 10, empresa americana que tem os direitos globais do Pelé”, explicou Pepito em comunicado aos jornalistas.
“Com isso estou iniciando formalmente minha aposentadoria aos 79 anos, após mais de 50 anos juntos nas Empresas Pelé que criamos juntos. Continuarei morando no interior e curtindo junto a ele nossa longa e sempre fraternal amizade/irmandade. Que Deus abençoe e proteja a todos nós, hoje e sempre”, completou.
Nascido em 1940, o filho de seu Dondinho, morto em 1996, e dona Celeste, que recentemente completou 100 anos, despontou para o futebol nas categorias de base do Bauru Atlético Clube, da cidade do interior do estado de São Paulo. Aos 15 anos, foi levado ao Santos pelo ex-jogador Waldemar de Brito; dono de uma habilidade incomum, não apenas conquistou rapidamente seu espaço no time titular do alvinegro como também ganhou uma vaga na seleção brasileira.
Convocado para disputar o Mundial da Suécia aos 17 anos, foi peça-chave na conquista da primeira estrela da seleção – que erradicou o complexo de vira-lata que assombrava o país desde a derrota para o Uruguai, na Copa de 1950. Pelé venceria ainda os campeonatos de 1962, no Chile, e de 1970, no México – aqui comandando aquele que é considerado o melhor time de futebol de todos os tempos.
Se durante sua carreira a fama do brasileiro já havia e muito ultrapassado as fronteiras do esporte, depois de sua passagem pelo New York Cosmos, onde o camisa 10 pendurou as chuteiras – e aprendeu a usar o marketing a favor de sua imagem –, Pelé virou uma celebridade mundial, paparicado por presidentes, astros do cinema e lendas da música. Em consequência desse sucesso, conviveu, como poucos no Brasil, com o escrutínio público de sua vida pessoal – desde o famoso namoro com a apresentadora Xuxa, na década de 80, até o caso do reconhecimento judicial da filha Sandra Regina, nos anos 1990.
No mundo dos negócios, notabilizou-se por algumas associações pouco felizes com empresários; entretanto, esses episódios não chegaram a fazer grande estrago em sua imagem – prova disso é o crescente número de empresas multinacionais que o contrataram para divulgar suas marcas e produtos no Brasil e no exterior – ainda que com valores demasiadamente baixos para um esportista de sua dimensão histórica.
Dono de um físico privilegiado, o Atleta do Século, que pouco sofrera com contusões nos gramados, fez em 2012 uma cirurgia para reparar um desgaste nos ossos do quadril, procedimento do qual não se recuperara totalmente – nos últimos tempos, passou a se locomover com a ajuda de muletas e, posteriormente, de uma cadeira de rodas.
Sempre bem-humorado – não recusava um único autógrafo –, numa de suas últimas postagens nas redes sociais nos últimos anos, depois de ter vazado sua internação, ele escreveu: “Pessoal, eu não desmaiei e estou muito bem de saúde. Fui fazer meus exames de rotina, que não havia conseguido fazer antes por causa da pandemia. Avisem que eu não jogo no próximo domingo”. A partir de hoje, Edson Arantes do Nascimento não joga mais. Pelé continua – a lenda é para sempre.