O primeiro título de Verstappen coroou um 2021 épico na Fórmula 1
Corrida derradeira foi o ápice de uma temporada memorável, repleta de reviravoltas, como há muito não se via
Sob um show de luzes no moderníssimo circuito de Yas Marina, chegou ao fim uma das mais espetaculares temporadas — há quem diga que foi a melhor — dos 72 anos de história da Fórmula 1. O holandês Max Verstappen, da Red Bull, conquistou seu primeiro título mundial ao ultrapassar a estrela britânica Lewis Hamilton, da Mercedes, na última volta do GP de Abu Dhabi, com direito a drama e acusações de manipulação.
Os dois excepcionais pilotos chegaram à etapa derradeira rigorosamente empatados em pontos (369,5). Após superar o rival na largada e liderar a prova com sobras, Hamilton parecia caminhar para uma conquista inconteste. Eis que dois nomes pouco conhecidos roubaram a cena, a seis voltas do fim. O canadense Nicholas Latifi perdeu o controle de sua Williams e bateu no muro, obrigando a presença do safety car. O diretor da prova, Michael Masi, hesitante e desastrado como de costume, primeiro informou que não seriam permitidas ultrapassagens. Mudou de ideia na última volta, o que propiciou a manobra triunfal do “holandês voador” de 24 anos, o quarto campeão mais jovem da F1. A Mercedes tentou, sem sucesso, melar a decisão.
Foi o ápice de uma temporada memorável, repleta de reviravoltas, como há muito não se via. Mariana Becker, repórter gaúcha da Band, é taxativa: foi, com sobras, a melhor das 26 temporadas que cobriu. “Nunca vi nada igual. Nos acostumamos a ver sempre um fora de série disputando com pilotos talentosos, mas neste ano tivemos dois gênios sob pressão e no auge da inspiração.” Figura respeitada e querida no paddock — em um dos GPs ganhou brigadeiros do piloto Daniel Ricciardo —, Mariana diz que viu Hamilton mais motivado do que nunca, feliz com a presença de um concorrente à altura e que o tirasse da zona de conforto. Fez lembrar, portanto, os épicos duelos de Nelson Piquet com o britânico Nigel Mansell e Ayrton Senna com francês Alain Prost, nas décadas de 80 e 90.
O vencedor deste ano, de alguma forma, tem uma ligação com o Brasil. Verstappen é namorado da modelo Kelly Piquet e, portanto, genro do tricampeão Piquet. Ainda que nunca tenha baixado tanto o nível como quando o sogro ironizou a aparência da esposa de Mansell, Verstappen também é marrento e fã de entreveros. Em 2021, chamou Hamilton de hipócrita e idiota e até mostrou-lhe o dedo médio após uma das várias batidas. Selado o título, felizmente, ambos demonstraram espírito esportivo. As rixas, afinal, contribuem para o “circo da F1”, cada vez mais espetaculoso.
Se no passado o magnata britânico Bernie Ecclestone, chefão da categoria por quatro décadas, fazia questão de tratar o produto como um item de luxo, os americanos da Liberty Media, no comando desde 2017, promoveram uma notável abertura, em todas as plataformas. A série Drive to Survive, da Netflix, atraiu milhões de fãs, especialmente jovens e mulheres. Segundo a consultoria Nielsen, a F1 alcançará mais de 1 bilhão de entusiastas em 2022.
O efeito foi claramente sentido no Aeroporto de Guarulhos, onde dezenas de adolescentes se acotovelaram em busca de selfies com as “estrelas da série”, como os jovens Lando Norris e Charles Leclerc na semana do GP do Brasil — um dos melhores do ano, vencido por Hamilton, que repetiu o ídolo Senna ao exibir uma bandeira verde e amarela para delírio de mais de 180 000 torcedores. “Games, redes sociais e Netflix humanizaram a F1”, diz Mariana Becker. “Gente gosta de gente e, por mais que haja um fascínio com a máquina, ela tem de ser guiada por alguém com quem as pessoas se identifiquem.”
Em 2022, é provável que a trama ganhe mais protagonistas, já que mudanças foram estipuladas para promover maior competitividade. Mesmo sem um brasileiro no grid (Pietro Fittipaldi, neto do bicampeão Emerson, seguirá como reserva da Haas), a F1 continua sendo, ou voltou a ser, uma paixão nacional. Com um ano de antecedência, os ingressos de arquibancadas para o GP de Interlagos de 2022 se esgotaram em dois dias. Que venham mais corridas memoráveis.
Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2021, edição nº 2769