Sob um show de luzes no moderníssimo circuito de Yas Marina, chegou ao fim uma das mais espetaculares temporadas — há quem diga que foi a melhor — dos 72 anos de história da Fórmula 1. O holandês Max Verstappen, da Red Bull, conquistou seu primeiro título mundial ao ultrapassar a estrela britânica Lewis Hamilton, da Mercedes, na última volta do GP de Abu Dhabi, com direito a drama e acusações de manipulação.
Os dois excepcionais pilotos chegaram à etapa derradeira rigorosamente empatados em pontos (369,5). Após superar o rival na largada e liderar a prova com sobras, Hamilton parecia caminhar para uma conquista inconteste. Eis que dois nomes pouco conhecidos roubaram a cena, a seis voltas do fim. O canadense Nicholas Latifi perdeu o controle de sua Williams e bateu no muro, obrigando a presença do safety car. O diretor da prova, Michael Masi, hesitante e desastrado como de costume, primeiro informou que não seriam permitidas ultrapassagens. Mudou de ideia na última volta, o que propiciou a manobra triunfal do “holandês voador” de 24 anos, o quarto campeão mais jovem da F1. A Mercedes tentou, sem sucesso, melar a decisão.
Foi o ápice de uma temporada memorável, repleta de reviravoltas, como há muito não se via. Mariana Becker, repórter gaúcha da Band, é taxativa: foi, com sobras, a melhor das 26 temporadas que cobriu. “Nunca vi nada igual. Nos acostumamos a ver sempre um fora de série disputando com pilotos talentosos, mas neste ano tivemos dois gênios sob pressão e no auge da inspiração.” Figura respeitada e querida no paddock — em um dos GPs ganhou brigadeiros do piloto Daniel Ricciardo —, Mariana diz que viu Hamilton mais motivado do que nunca, feliz com a presença de um concorrente à altura e que o tirasse da zona de conforto. Fez lembrar, portanto, os épicos duelos de Nelson Piquet com o britânico Nigel Mansell e Ayrton Senna com francês Alain Prost, nas décadas de 80 e 90.
O vencedor deste ano, de alguma forma, tem uma ligação com o Brasil. Verstappen é namorado da modelo Kelly Piquet e, portanto, genro do tricampeão Piquet. Ainda que nunca tenha baixado tanto o nível como quando o sogro ironizou a aparência da esposa de Mansell, Verstappen também é marrento e fã de entreveros. Em 2021, chamou Hamilton de hipócrita e idiota e até mostrou-lhe o dedo médio após uma das várias batidas. Selado o título, felizmente, ambos demonstraram espírito esportivo. As rixas, afinal, contribuem para o “circo da F1”, cada vez mais espetaculoso.
Se no passado o magnata britânico Bernie Ecclestone, chefão da categoria por quatro décadas, fazia questão de tratar o produto como um item de luxo, os americanos da Liberty Media, no comando desde 2017, promoveram uma notável abertura, em todas as plataformas. A série Drive to Survive, da Netflix, atraiu milhões de fãs, especialmente jovens e mulheres. Segundo a consultoria Nielsen, a F1 alcançará mais de 1 bilhão de entusiastas em 2022.
O efeito foi claramente sentido no Aeroporto de Guarulhos, onde dezenas de adolescentes se acotovelaram em busca de selfies com as “estrelas da série”, como os jovens Lando Norris e Charles Leclerc na semana do GP do Brasil — um dos melhores do ano, vencido por Hamilton, que repetiu o ídolo Senna ao exibir uma bandeira verde e amarela para delírio de mais de 180 000 torcedores. “Games, redes sociais e Netflix humanizaram a F1”, diz Mariana Becker. “Gente gosta de gente e, por mais que haja um fascínio com a máquina, ela tem de ser guiada por alguém com quem as pessoas se identifiquem.”
Em 2022, é provável que a trama ganhe mais protagonistas, já que mudanças foram estipuladas para promover maior competitividade. Mesmo sem um brasileiro no grid (Pietro Fittipaldi, neto do bicampeão Emerson, seguirá como reserva da Haas), a F1 continua sendo, ou voltou a ser, uma paixão nacional. Com um ano de antecedência, os ingressos de arquibancadas para o GP de Interlagos de 2022 se esgotaram em dois dias. Que venham mais corridas memoráveis.
Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2021, edição nº 2769