Heltton Matheus Cardoso Rodrigues, que até o início desta semana atendia por Brendon Matheus Araújo Lima dos Santos, reapareceu nesta sexta-feira. O jogador de 22 anos (que alegava ter 19) estava sumido desde segunda-feira, quando se soube que Heltton era mais um caso de “gato” – como é chamado o jogador que utiliza documentos falsos para alterar a idade – no futebol. Com a revelação, seu time, o Paulista, e todos os seus jovens atletas perderam a chance de disputar a final da Copa São Paulo, maior vitrine da categoria sub-20 do país. Enquanto os garotos de Jundiaí choravam a oportunidade perdida, Heltton foi “presenteado” com a chance da vida: foi contratado pelo ex-jogador e atual presidente do Audax, Vampeta, para atuar pela equipe profissional de Osasco, finalista do último Paulistão. E, pasmem, tratado por muitos como vítima e não como criminoso confesso.
Pela manhã, Heltton reapareceu em sua conta no Facebook para “pedir perdão ao Paulista e aos ex-companheiros. “Eu não queria magoar ninguém, só queria realizar um sonho de ser um jogador e de chegar com um caminhão de brinquedos e medicamentos para as crianças da minha cidade”, escreveu o jovem de São Gonçalo (RJ). No início da tarde, Heltton foi a um programa de rádio e deu detalhes de sua estratégia para ser profissional e livrou de culpa empresários, familiares e clubes. “Estou sendo homem para assumir isso. Não teve terceiros, fui eu que tramei tudo, estou aqui para me retratar”, afirmou à rádio Jovem Pan. Ele não quis revelar qual a sua relação com o verdadeiro Brendon, que está preso no Rio por assalto a mão armada e também responde a processos por tráfico de drogas.
Heltton assumiu seu erro e merece perdão, como qualquer ser humano. Mas também merece punição, pois não cometeu um simples deslize, mas um ou mais crimes. Por ter utilizado o documento de outra pessoa, Heltton deve ser julgado ao menos por falsidade ideológica, que, de acordo com o artigo 229 do Código Penal, prevê reclusão de um a cinco anos e multa. Além disso, causou enorme prejuízo ao Paulista e, sobretudo, a seus ex-companheiros, e poderia ser punido esportivamente por isso.
Se for julgado e absolvido ou pagar pelo que fez, Heltton tem todo o direito de dar sequência à carreira. Antes disso, precisa ser tratado como criminoso e não como “vítima do sistema”. Milhões de brasileiros, pobres ou ricos, negros ou brancos, sonham ou sonharam em ser jogadores de futebol, mas não se pode fazer isso a qualquer custo.
Ao contratar o garoto, Vampeta disse estar prestando seu auxílio a um jovem que, como ele, é negro e tem origens humildes, e que estava sendo julgado como bandido. “Ele não matou ninguém”, repetiu o ex-jogador da seleção brasileira. É verdade, Heltton não é assassino, mas cometeu outro tipo de crime, que deve ser punido. Nesta tarde, Heltton chegou a se divertir em diversos momentos da entrevista e, com enorme desfaçatez, chamou de “X9” a pessoa que avisou ao Batatais, clube derrotado pelo Paulista na semifinal, que Brendon na verdade era Heltton. O “gato” chegou até a “agradecer” seu delator.
“Onde eu moro, se a gente entrega alguém, é taxado como X9. Eu não quero falar o nome da pessoa que me entregou, mas desde já eu o perdoo, porque a falta de perdão é comparada a um copo de veneno (…) Se ele quis me atingir negativamente, ele contribuiu e muito para que a melhor oportunidade da minha vida estivesse na minha frente.” Heltton, de fato, deve agradecer ao “X9”, a Vampeta e a todos que colocarem o microfone em sua boca antes de um julgamento justo. Ao contrário de “gatos” famosos do futebol, como Vanderlei Luxemburgo ou Emerson Sheik, que tiveram suas farsas descobertas depois da fama, Heltton está se aproveitando de sua atitude para ganhar os holofotes e uma oportunidade na carreira.
Isso, inclusive, abre um grave precedente: 2018 pode se tornar o “ano do gato” na Copinha, já que ser descoberto pode atrair fama e oportunidades. Em vez de contratar o zagueiro, Vampeta ou qualquer outro dirigente deveriam olhar com carinho a situação dos outros jovens do Paulista – que venceu a semifinal por 5 a 1, mas foi retirado da decisão – e do clube de Jundiaí, que, segundo o próprio Heltton, não teve culpa de nada. Os heróis, ou “coitadinhos”– definições que, no Brasil, muitas vezes se confundem – são, na verdade, os seguintes meninos (com exceção a Brendon/Heltton):
(imagem retirada da súmula da semifinal entre Paulista e Batatais)