Sociedade Anônima do Futebol, SAF. Essas foram as três letras mais quentes e envolventes do futebol nacional em 2022. Convulsionou e faz sonhar gigantes torcidas que estavam adormecidas e ao mesmo tempo mexeu com a estrutura do futebol brasileiro. Neste sábado, dia 6 de agosto, a lei completa um ano de vida. Devemos comemorar?
Antes de responder, voltemos um pouco no tempo, mas não necessariamente muito, e vejamos o assunto de uma forma conjectural.
Quando olhamos para o início de 2021 percebe-se que o panorama da organização do futebol brasileiro não era nada animador, pois não havia no radar qualquer sinalização quanto à criação de uma liga, a CBF continuava sendo comandada por interesses exclusivamente personalistas e os clubes se afundavam em dívidas, alavancadas pela pandemia, sem nenhum elemento ou fato novo capaz de trazer algum alento. Neste contexto, sob uma ótica conjuntural, minhas expectativas eram realistas-pessimistas.
Passados alguns meses, em junho, surpreendentemente, os clubes voltaram a se organizar visando a criação de uma liga profissional para gestão das séries A e B. Tive a oportunidade de ser diretor jurídico da Primeira Liga, do início ao fim, e sei na prática as barreiras e dificuldades que se colocam para a realização deste objetivo. Não obstante isso, desta vez tudo indica que vai dar liga.
Em 6 de agosto de 2021 foi publicada a lei da SAF, que aos poucos instaura as premissas para um novo ambiente empresarial no futebol e, sobretudo, uma nova mentalidade na gestão e organização dos clubes, seguindo o que já ocorre em todos os países macroeconomicamente relevantes. Claramente tínhamos duas opções: seguir os argentinos, para quem o assunto relacionado a transformação de clubes em empresa é quase proibitivo, ou seguir os ingleses, italianos, franceses e espanhóis e abrir o mercado para o investidor. Felizmente, prevaleceu a segunda hipótese.
Ademais, me colocava entre aqueles que não viam nenhuma luz no fim do túnel para uma mudança de orientação na CBF devido a décadas de gestões que solaparam a entidade e apequenaram o futebol brasileiro no contexto mundial. Por isso, as ações tomadas pelo novo presidente, Ednaldo Rodrigues, têm sido uma grata e positiva surpresa, trilham o caminho certo e colocam a entidade a serviço do futebol, e não o inverso.
Quando conectamos esses três importantes pilares, quais sejam, SAF, liga e uma CBF aberta ao futebol e favorável a liga, que liberam definitivamente as travas que pareciam ser insuperáveis para o crescimento dos clubes e das competições nacionais, o futuro parece ser muito promissor.
Agora, tenhamos claro que deixamos de ser o país do futebol há muito tempo. O dia a dia mostra isso, pois todos conhecemos uma infinidade de pessoas que não se interessam por futebol, fato ilustrado por pesquisas recentes que mostram que 51% dos brasileiros não têm nenhum interesse na Copa do Mundo (Datafolha) e 24,4% não torcem para nenhum clube (Globo/Ipec). São números expressivos e que acendem uma luz vermelha. Sorte nossa, porém, que somos um país de 212 milhões de habitantes e o fator demográfico acaba por atenuar um pouco esse problema.
Ainda que tenhamos este aspecto negativo a ser devidamente tratado, devido a conexão entre os três citados pontos fundamentais deixei de ser um realista-pessimista para ser otimista, pois nunca tinha visto uma conjunção dos fatores estruturais mais relevantes do futebol nacional conspirarem, positivamente, na mesma direção. É claro que não podemos fechar os olhos aos problemas e que vários clubes carregam um endividamento pesado. Porém, antes não havia uma solução clara para dívidas impagáveis, agora essa alternativa está aberta a todos os interessados e os exemplos já são visíveis nos casos do Cruzeiro, Vasco e Botafogo.
Fica estendido o tapete para todo o investidor, brasileiro ou estrangeiro, interessado em apoiar o desenvolvimento e crescimento dos clubes brasileiros. Viva a lei da SAF, viva o capitalismo e viva a democracia.
*Eduardo Carlezzo é advogado, sócio do Carlezzo Advogados e especialista em direito desportivo