Já virou rotina. A cada semana, das formas mais acrobáticas possíveis, o gigante loiro de 1,94 metro, físico robótico e perna esquerda letal manda a bola para as redes e faz a alegria de um mar azul de torcedores ingleses. Não há neste momento um jogador mais empolgante do que Erling Haaland, o goleador norueguês do Manchester City. Aos 22 anos, ele vem colecionando marcas históricas e aprimorando ainda mais o seu jogo, sob a batuta de um mestre, o técnico Pep Guardiola. A má notícia: Haaland não estará na Copa do Mundo do Catar — e dificilmente em alguma outra no futuro, dada a fragilidade da seleção nórdica, que só disputou os Mundiais de 1938, 1994 e 1998. Dessa forma, ele pode engrossar uma lista de craques privados de disputar a maior competição do futebol.
O “Cometa”, como é apelidado por sua explosão em campo e pela semelhança de seu sobrenome com o Halley — o corpo de gelo mais famoso a passar pelo sistema solar —, chegou ao City em junho e já marcou vinte gols em treze jogos. Não é um craque típico, habilidoso e elegante. Ao contrário, é até um tanto destrambelhado, mas finaliza como ninguém. “Ele tem instintos incríveis, sabe onde a bola vai chegar”, diz, embasbacado como nós, Guardiola. “Eu não tenho como ensinar-lhe, é um dom natural.” O mais irônico de sua ausência na Copa deste ano é que ela poderia ter sido evitada por uma escolha própria.
Filho de Alf-Inge Haaland, defensor que atuou por Nottingham Forest, Leeds United e pelo próprio Manchester City, o goleador nasceu em solo inglês, em julho de 2000. Ele, no entanto, optou pela nacionalidade dos pais, pois se mudou ainda criança para a Noruega. Aos 15 anos, iniciou sua meteórica ascensão no modesto Bryne, antes de passar pelo Red Bull Salzburg, da Áustria, e pelo Borussia Dortmund, da Alemanha, sempre marcando gols: já são 176, e contando (veja no quadro).
Nas Eliminatórias europeias, a Noruega ficou atrás da Holanda e da Turquia e foi eliminada. Como a partir de 2026 o número de participantes em Copa será ampliado de 32 para 48 seleções, há quem sonhe com o que ainda é improvável. Por ora, reafirme-se, o “Cometa” viking faz companhia a outras lendas ausentes. A maior delas vem do lado vermelho de Manchester: George Best, ídolo do United, nascido na Irlanda do Norte. Além de um autêntico craque, driblador e decisivo, era um personagem raro. “Gastei muito dinheiro em bebidas, mulheres e carros. O resto desperdicei”, disse Best à edição número 1 de PLACAR, em março de 1970. Na época, o chamavam de “Pelé branco” na ilha. “Se eu tivesse nascido feio, vocês não ouviriam falar de Pelé”, brincou sobre seu folclórico apreço por festas.
Outro George “punido” por seu passaporte foi Weah, o espetacular atacante do Milan e da Libéria, país africano que atualmente preside. O portenho Alfredo Di Stéfano, ídolo do Real Madrid, também deu azar. Em litígio com a Fifa, a Argentina não disputou as Copas de 1950 e 1954. Em 1958, por atuar fora do país, ele não pôde ser convocado. Em 1962, naturalizado espanhol, até foi chamado pela Fúria, mas, machucado, assistiu das tribunas ao título brasileiro. Outra falta a se lamentar no Catar será da seleção italiana, fora de duas Copas seguidas. Menos mal que Gareth Bale, a estrela do País de Gales, espantou a sina e fará sua estreia, aos 33 anos. Que venha a alegria, mesmo sem Haaland.
Publicado em VEJA de 19 de outubro de 2022, edição nº 2811