Para quem não aderiu ao vegetarianismo e sua vertente mais radical, o veganismo, a carne é o melhor dos alimentos — fonte incomparável de nutrientes, carrega muito mais proteínas por quilo do que as plantas. Em tempos de cuidados com o ambiente, no entanto, alguns números assustam. Cerca de 70% da soja produzida no Brasil vai exclusivamente para a alimentação dos animais que serão abatidos. Além disso, o gado de corte consome 8% de todo o suprimento mundial de água e produz 15% das emissões de gases do efeito estufa. Esse cenário foi o atalho para uma indagação: é possível ter uma carne menos prejudicial ao planeta, mais limpa, mais sustentável? Sim, foi o que descobriu uma empresa de tecnologia da Califórnia, a Memphis Meats, que recebeu recentemente investimentos de 160 milhões de dólares, com dinheiro de nomes como Bill Gates e Richard Branson, para aprimorar uma ideia inovadora — o cultivo, em laboratório, de proteínas animais a partir de células vivas.
A lógica é simples, embora soe inacreditável: retira-se do corpo do animal vivo um pequeno extrato, do tamanho de uma semente de gergelim. Essas minúsculas porções são levadas a tanques — chamados de “cultivadores” — semelhantes a estufas. Ali crescem, ganham tamanho, gordura e músculos. O processo é análogo ao modo como as cervejarias cultivam células de levedura que culminam na bebida.
A Memphis Meats e mais de uma dezena de empresas similares já colocaram para teste suas criações, como os espetinhos de pato, as tiras de frango, os nuggets e as almôndegas. É uma iniciativa ainda em sua gênese, de expansão lenta, mas com vasto espaço de crescimento. “As grandes indústrias de alimentos de todo o mundo estão atentas a esse movimento e começam a vê-lo como oportunidade e necessidade”, diz Gustavo Guadagnini, diretor do The Good Food Institute Brasil, organização de apoio ao desenvolvimento de proteínas alternativas.
A carne de laboratório que parece carne (e é) pode ser uma alternativa interessante para as pessoas que, preocupadas com o aquecimento global, trilham outros caminhos quando vão ao supermercado mas gostam, mesmo, é de carne. Do ponto de vista do sabor, não há dúvida: ela não tem o paladar dos já famosos hambúrgueres plant-based, mais insossos, criados para imitar a textura e o gosto das carnes tradicionais — inclusive o sangue —, sem levar nadinha que tenha vindo da fauna. É uma ideia que tende a ganhar muito espaço — desde que se resolva a questão financeira. O truque ainda custa caro. A produção de um nugget ou de uma tira de carne, por exemplo, custa 50 dólares — 223 reais, aproximadamente.
Publicado em VEJA de 4 de março de 2020, edição nº 2676