No isolamento, chefs defendem a ideia de cozinhar com simplicidade
Alimento feito em território doméstico pode ser uma maneira tanto de recuperar uma dieta saudável como de cultivar os afetos
Apenas quatro meses depois de sua inauguração, o restaurante paulistano Président, do chef francês Erick Jacquin — que se tornou conhecido do grande público brasileiro no programa de TV MasterChef, exibido pela Band —, fechou as portas. O inesperado motivo: a pandemia da Covid-19. No âmbito econômico, Jacquin recorreu à estratégia que vem sendo adotada pela maioria dos colegas: a entrega de refeições por delivery. Em casa, assim como boa parte dos brasileiros em quarentena, o chef começou a perceber que o surto mudará tudo — inclusive dentro da cozinha.
“Agora estou ajudando mais a minha mulher, Rosângela, com os dois bebês. Sou eu que preparo as papinhas deles. Estou aprendendo a cozinhar para as crianças de uma forma diferente”, disse Jacquin a VEJA. A saúde — e os sentimentos — da família agradece: alimento feito em território doméstico pode ser uma maneira tanto de recuperar uma dieta saudável como de cultivar os afetos.
O ideal é que não fosse preciso uma situação tão extrema como a do distanciamento social para que a alimentação nutritiva estivesse na ordem do dia. Nesse sentido, o jornalista americano Michael Pollan, inimigo dos produtos industrializados, é categórico. “Comida é aquilo que a sua avó chamaria de comida”, sentenciou. Bem, a depender da geração, a avó pode ser mais ou menos adepta dos processados — mas a situação atual é uma oportunidade e tanto para redescobrir a comida caseira. Segundo a nutricionista Márcia Nassif, professora da Universidade Mackenzie, de São Paulo, o recomendável é que as pessoas preparem os alimentos em casa. “Quando fazemos as refeições em restaurantes, não sabemos quanto foi usado de óleo, sal e molho”, afirma.
“O momento agora não é para pratos, e sim para quentinhas. Em casa, a saída é muito mais simples do que parece. Pequenos produtores estão fazendo entregas”, lembra a gaúcha Roberta Sudbrack, do restaurante carioca Sud, o Pássaro Verde, considerada a melhor chef mulher da América Latina pela revista britânica Restaurant, em 2015. Para exemplificar, Roberta destacou uma atração do cardápio do Sud, o arroz de frutos da terra. Ela explica que, para duas pessoas, a receita leva 200 gramas de arroz branco, 1 litro de caldo de casca de abóbora e legumes e verduras que “estiverem disponíveis”. A chef usa o caldo da casca de abóbora para cozinhar o arroz. Os legumes, assados em forno alto, são cortados, regados com azeite e temperados com sal e pimenta-de-cheiro. Por fim, Roberta forra uma travessa com o arroz, põe os legumes por cima, rega os ingredientes com mais azeite e leva-os ao forno a 180 graus por quinze minutos. “É uma refeição rápida, saudável, deliciosa e que mantém a cadeia produtiva dos pequenos produtores orgânicos”, frisa. A chef gaúcha integra o time gastronômico que gravará vídeos para o Festival Banho-Maria, transmitido pelo perfil do Instagram de VEJA RIO durante a quarentena.
Jacquin também defende o que é fácil de fazer. “Aqui em casa comemos coisas simples, como quiche com salada. Outro dia fizemos um risoto”, afirma. Além de buscar receitas de família, o chef entende o confinamento como um laboratório de experimentações. “Eu procuraria escrever a minha própria história com o que tem na geladeira”, diz ele. “Até porque o mundo seguirá uma nova receita daqui para a frente.” E ela terá, sem dúvida, um sabor mais caseiro.
Publicado em VEJA de 8 de abril de 2020, edição nº 2681