Com máscaras, a elegância deve voltar às ruas depois do isolamento
Se existe um traço comum no vestuário da quarentena é a informalidade. Mas, passada a pandemia, como ficará a moda?
Definitivamente, nestes dias de pandemia, preocupar-se com o vestuário anda, digamos assim, fora de moda. Não era para menos. Há problemas milhões de vezes mais graves com que se alarmar — o número de mortos e infectados pela Covid-19 (no Brasil e em outros países), a demora na descoberta de um tratamento que derrote o vírus, a devastação dos empregos. Para não falar da preservação da própria saúde e da do próximo. Mas existe outro motivo pelo qual milhões de pessoas mundo afora deixaram de se esmerar na escolha dos seus trajes: por que fazer isso se a jornada de trabalho é cumprida em regime de home office e passear está reduzido a ir ao supermercado ou à farmácia? Se há hoje um traço comum no guarda-roupa é a “informalidade” (para usar, vá lá, uma palavra elegante).
Adeus, ternos bem cortados, gravatas listradas, barras italianas. Adeus, sapatos de salto, blusas de seda, tailleurs de grife. Como se todos os dias fossem domingo, e todos os domingos fossem de parque, tomaram a cena, com força, as camisetas, os moletons, os chinelos. E quem tem de sair, por menor que seja a trajetória, não abre mão de um acessório que jamais foi tão demandado: a máscara. Eis as novas normas. No entanto, quando tudo isso passar, garantem os especialistas em indumentária, as roupas “despojadas” também passarão — e a moda vistosa voltará à moda (com o perdão da redundância).
Esse vislumbre do futuro se norteia pelo passado. É verdade que, diante do surto de cólera, o temor de germes e afins encurtou a bainha dos vestidos na Inglaterra do século XIX — usemos aqui exemplos femininos, o que não significa que os homens não se importem com seus trajes —, impulsionando uma tendência que sobreviveria à intenção higiênica inicial. Porém, a moda criada durante a epidemia de gripe espanhola, em 1918, que difundiu os chapéus de abas largas utilizados com um lenço para cobrir parte do rosto, não foi longe. E, com o fim da II Guerra, em 1945, o estilista francês Christian Dior (1905-1957) criou uma nova linha de roupas que se opunha diametralmente à austeridade que predominou no período do conflito. Batizada de New Look, ela consagrou uma forma feminina luxuosa de se vestir.
Costura-se uma retomada para o futuro breve. De acordo com um levantamento feito pela consultoria inglesa Opinium Research, cerca de 25% dos americanos — mulheres e homens — entre 18 e 34 anos de idade pretendem gastar mais dinheiro com roupas após o surto epidêmico. “Imagino que, depois da pandemia, possa haver uma exacerbação da própria moda”, diz o historiador dessa área João Braga, professor da disciplina na Faculdade Santa Marcelina, de São Paulo. “Tal tendência surgiria em contraste com os trajes mais sóbrios que têm sido usados”, acredita ele.
Contudo, há uma questão que poderia pôr em xeque a disposição de apostar outra vez em um guarda-roupa mais sofisticado. A OMS recomenda às pessoas que lavem as roupas utilizadas para sair tão logo retornem à residência. Sem remédio e sem vacina contra o novo coronavírus, é legítimo supor que a orientação continue sendo seguida depois do surto, devido ao receio de que as vestimentas possam estar infectadas. Estariam? “O Sars-CoV-2 pode se manter vivo nos tecidos de 72 a 96 horas”, explica a infectologista Raquel Muarrek, da Rede D’Or. “Entretanto, o risco de contaminação é pequeno. As partículas de vírus expelidas no ambiente ficam seguindo as massas de ar. Ao caminharmos, empurramos essas massas junto com os patógenos, que, por isso, não se prendem aos trajes, aos cabelos. Agora, se alguém tossir ou espirrar perto de você, é indicado lavar as roupas e tomar banho ao chegar em casa”, ressalta ela.
Em alguns países europeus, o isolamento social vai ficando para trás, e a população começa a reocupar as ruas. A lembrança destes tempos difíceis se materializa nas máscaras que escondem quase todas as faces. Sim: essa é a peça que deverá ficar como legado da Covid-19 no vestuário, quem sabe até transmitindo uma aura de elegância a quem a usar. Tomara. “Qualquer pessoa é capaz de ficar alegre e de bom humor quando está bem-vestida”, observou o escritor inglês Charles Dickens (1812-1870). Mas que a alegria não volte à moda no planeta só por causa — perdão de novo pela redundância — da moda.
Publicado em VEJA de 27 de maio de 2020, edição nº 2688