Cresce o interesse pela produção de cerveja dentro de casa
A avaliação do setor é que, por causa da quarentena, 49% das quase 1 200 marcas existentes no país poderão desaparecer do mercado até agosto
Com o desconcertante impacto do novo coronavírus na economia, vai demorar algum tempo para que o setor de cerveja no Brasil possa voltar a erguer um brinde. Diante da necessidade imperiosa de confinamento dos clientes, a demanda pela bebida, especialmente no caso das cervejarias premium — que em 2019 haviam experimentado um crescimento de 30% —, despencou. A avaliação do setor é que, em decorrência da quarentena, 49% das quase 1 200 marcas existentes no país poderão desaparecer do mercado até agosto.
Na contramão desse cenário, no entanto, uma boa notícia: o gosto dos brasileiros pelas geladas, sobretudo as que levam ingredientes mais nobres na receita, parece não ter diminuído. A diferença é que o prazer de beber está vindo combinado com o de produzir a própria cerveja dentro de casa. No Google, as pesquisas sobre métodos de fabricação da bebida aumentaram mais de 500% nos últimos meses. O número coincide com a baixa na venda dos rótulos artesanais nos supermercados — bares e restaurantes, como se sabe, estão fechados —, que seguem amargando nas prateleiras.
O interesse dos candidatos a mestre-cervejeiro é atestado pelo casal carioca Anderson Senne e Amanda Henriques, que comanda desde 2013 o Maria Cevada, site e canal no YouTube especializado na bebida, que soma mais de 100 000 fãs nas redes sociais. Eles tiveram um crescimento próximo de 20% na audiência durante a intensificação da quarentena. Os novos inscritos chegam, quase sempre, interessados em aprender a fazer cerveja usando equipamentos simples, encontrados em qualquer cozinha, como panelas e peneira comuns. “Notamos que se detêm nos vídeos mais generalistas os curiosos que procuram aleatoriamente um hobby enquanto estão no isolamento, mas quem quer aprender mesmo a produzir a bebida fica atento aos posts de conteúdo mais denso”, explica Amanda. “Até mesmo porque fazer a cerveja é um processo que consumirá um dia inteiro de dedicação da pessoa, e o resultado de tanto esforço só poderá ser provado depois de três ou quatro semanas, quando a fermentação estiver concluída”, afirma Senne.
Apesar de as cervejarias artesanais ainda estarem examinando estratégias para superar a crise, há no setor quem aposte que uma das saídas possa estar na nova leva de cervejeiros. Como deve existir certa ociosidade dos equipamentos de produtores profissionais, as máquinas poderão ser alugadas para os novatos “cervejeiros ciganos”, termo utilizado para designar aqueles que, de forma nômade, vão dando conta de fabricar a bebida. Nesse caso, a receita artesanal será testada e validada por uma empresa com autorização do Ministério da Agricultura. Assim, é possível que uma cerveja criada em casa — durante este pesado período de distanciamento social obrigatório para tentar brecar a propagação do Sars-CoV-2 — venha a ser aprimorada e vendida do mesmo modo que as marcas tradicionais. Atualmente, segundo a Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), existem cerca de 2 000 cervejarias ciganas no país. O número aumenta de 30% a 40% ao ano, ritmo que deve ser mantido mesmo no pós-pandemia, já que a atividade se tornará uma das maneiras capazes de garantir a sobrevivência de muitos rótulos.
Se, contudo, em meio à quarentena, não houver disposição para arregaçar as mangas, separar ingredientes e, com paciência, se lançar à deliciosa aventura de fabricar uma cerveja para chamar de sua — tampouco a intenção de ir ao mercado —, existe sempre, é claro, a alternativa de recorrer ao delivery. As cervejarias artesanais estão intensificando os descontos para fidelizar a clientela. Desde que o confinamento se acentuou, em março, há marcas que já elevaram em quase dez vezes seu faturamento por meio de apps. Seria o caso de levantar um brinde a elas — mas, por ora, guarde a palavra saúde para outro uso.
Publicado em VEJA de 27 de maio de 2020, edição nº 2688