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Pensador Rutger Bregman constata: humanidade é, sim, solidária e otimista

Estrela dos jovens estudiosos que refletem sobre a crise atual, o holandês transformou sua pesquisa em livro

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h19 - Publicado em 12 mar 2021, 06h00

Em setembro de 1940, com o avanço do nazismo pela Europa continental, a Inglaterra entrou na mira de Adolf Hitler. Intensos ataques aéreos contra alvos civis foram a tática para abalar o moral da população britânica. Em nove meses, mais de 80 000 bombas foram lançadas sobre Londres. Mas as agressões surtiram efeito oposto: a fibra dos ingleses se fortaleceu. Quando psiquiatras analisaram o impacto da guerra na saúde mental das pessoas, veio a explicação: em meio à raiva e à tristeza, havia uma forte resiliência. As pessoas não deixaram de viver a vida e se alegrar em meio aos destroços. A rotina continuou, a solidariedade aumentou, o alcoolismo e os índices de suicídio diminuíram. “Nossas janelas foram destruídas, mas as bebidas estão ótimas”, dizia o cartaz de um pub.

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Extraído de tempos extremos, o episódio ilustra a capacidade humana de manter o otimismo mesmo quando tudo parece perdido. Para o historiador holandês Rutger Bregman, de 32 anos, a explicação para o fenômeno é categórica: apesar da fama de egoístas, violentos e suscetíveis ao pânico, os seres humanos são, em sua maioria, gregários, solidários e resistentes. Em suma, as pessoas são boas e estão prontas a ajudar o próximo em momentos de crise. A teoria parece condescendente demais em um momento tão conturbado da história quanto o atual, mas não é só um rasgo de ingenuidade: é resultado da ampla e bem fundamentada pesquisa reunida no livro Humanidade: Uma História Otimista do Homem (Crítica), que acaba de chegar ao Brasil. Ao longo de sete anos, Bregman se aprofundou em estatísticas e experimentos de diversos campos da ciência, da arqueologia à psicologia, em busca de respostas sobre a natureza humana. Para sustentar sua tese, ele cita exemplos como o caso de seis jovens de Tonga que se perderam de barco em 1965, ficaram mais de um ano ilhados e sobreviveram ajudando um ao outro. “Não digo que as pessoas são anjos. Mas, no fundo, a maioria é decente e confiável”, diz ele.

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Bregman é chamado de “o novo Yuval Harari” por engrossar uma categoria da qual o colega israelense é o maior expoente: os jovens pensadores que refletem sobre o mundo atual a partir da ciência e de fatos históricos, propondo um futuro melhor. O grupo se sobressai pela habilidade de traduzir, de forma palatável e compreensível, teorias complexas em livros de apelo popular. Seguem esse caminho nomes como o canadense Malcolm Gladwell, que analisa estruturas sociais pelo prisma da psicologia, e o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, voltado para os exageros do consumismo em títulos como Sociedade do Cansaço. Os estilos variam, mas todos têm algo em comum: oferecem consolo e lustro intelectual a uma época de múltiplas crises.

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Bregman ganhou evidência com o livro Utopia para Realistas, no qual traz soluções práticas para um mundo mais próspero e igualitário. No Fórum de Davos, em 2019, ele cobrou bilionários, cara a cara, por ações para diminuir a desigualdade. A VEJA, o historiador confessa que a postura otimista não era natural a ele. “Eu achava o Senhor das Moscas bem convincente”, diz ele sobre a obra do Nobel da Literatura William Golding, de 1954. Nela, adolescentes isolados em uma ilha deserta se rendem ao caos e à violência. Fruto da depressão da II Guerra, a obra expunha a questão: como confiar numa espécie capaz de promover genocídios? Bregman não se esquiva do assunto no livro: “É preciso entender por que cometemos atos terríveis”. O processo de desumanizar um povo, por exemplo, é uma das quebras do padrão evolutivo humano que pode resultar em genocídios. Pesquisas com soldados de diferentes guerras, contudo, ainda apontam um padrão de ação movido pelo desejo de ajudar os compatriotas.

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A ideia de que o mal é intrínseco ao homem vem sendo cimentada historicamente por conceitos que vão do pecado original da Bíblia judaico-cristã às teses de filósofos como o inglês Thomas Hobbes (1588-1679) — para quem todos os homens são egoístas e dependentes de supervisão das autoridades. Para Bregman, hoje a força dos noticiários sensacionalistas e a selvageria nas redes sociais ampliariam essa sensação. “O que é negativo sobressai ao positivo, sendo compartilhado mais rapidamente”, analisa.

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O ajuste de lentes para uma visão menos pessimista tem efeitos práticos desejáveis. Ao pressupor que a maioria da população é desleal, o sistema político, o treinamento policial e a organização das empresas são pautados pela desconfiança, causando paranoia e gastos desnecessários para se proteger dos próprios cidadãos e funcionários. A desigualdade social piora ainda mais o quadro: segundo a pesquisa global WVS, países mais igualitários apresentam uma maior confiança no próximo. No Brasil, apenas 5% da população acredita na decência humana. “Confiança é o oxigênio da democracia”, diz Bregman. Ele é, como esperado, otimista sobre o mundo pós-pandemia. “Há sinais de esperança. Essa crise vai inaugurar uma nova era para a humanidade.” Que assim seja.

Publicado em VEJA de 17 de março de 2021, edição nº 2729

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