África tem de acelerar o fim da mutilação genital de meninas, dizem ONGs
ONU estima que mais de 140 milhões de meninas e mulheres foram submetidas a essa prática tradicional a grupos étnicos e religiosos, em especial na África
Três organizações presentes na África alertaram nesta quarta-feira, 6, para a necessidade de os países do continente acelerarem a luta contra a mutilação genital feminina (MGF). Os avanços conseguidos até o momento foram substantivos, mas o contingente ainda submetido à prática tradicional ainda é grande.
A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que mais de 140 milhões de meninas e mulheres, em todo mundo, já foram sujeitas a estas práticas violadoras dos direitos humanos. em especial na África, onde essa mutilação faz parte da tradição de várias etnias. Neste 6 de fevereiro, a ONU celebra o Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina.
“Se quisermos falar do fim da MGF na África, é preciso acelerar o seu fim”, afirmou o médico Peter Nguura, diretor de programas contra esta prática da ONG Amref Health.
“Se não tivermos um caminho acelerado de redução, pode ser inclusive que as tendências positivas não tenham um efeito significativo. As meninas continuam morrendo e sofrendo”, completou a fundadora da ONG Save a Girl Save a Generation, Asha Ismail.
A lista de países com maior prevalência dessa prática inclui as nações da África Subsaariana, com a Somália na liderança. Segundo estimativas do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) de 2016, 98% das mulheres entre 15 a 49 anos de idade da Somália sofreram a mutilação. Na Guiné, a prática atinge 97% das meninas e mulheres. No Djibuti, 93%, e em Serra Leoa, 90%.
Desses países, Somália e Serra Leoa destacam-se por não terem leis nem artigos no Código Penal que sancionem esta prática, proibida pela legislação internacional de direitos das mulheres e pelo Protocolo de Maputo, de 2003, que vela pelas liberdades civis na África.
Na Somália, a autodeclarada região independente de Somalilândia, com quatro milhões de habitantes, decidiu há um ano proibir a prática e impor penas de prisão aos que violarem a lei, mediante uma fatwa – medida legal emitida por autoridade religiosa islâmica.
Em Serra Leoa, sociedades secretas, como a Bondo ou Sande, usam a mutilação genital de meninas como um rito de iniciação à idade adulta. Países vizinhos, como a Libéria, também a adota. Os praticantes, em geral, ostentam poder político.
Por isso, surpreendeu há duas semanas a publicação de uma carta do ministro leonês de Governo, Anthony Brewah, na qual ordenava “a proibição imediata da mutilação em todo o país”. A diretriz ainda não foi materializada em uma lei, nem há sanções concretas para o delito.
As penas por praticar MGF diferem conforme os países. Na Guiné, está previsto de três meses a dois anos de prisão, mas pode alcançar 20 anos em caso de morte da vítima. No Djibuti, a condenação é de cinco anos de prisão. Em outros países, como Uganda, Quênia e Camarões, as penas podem chegar à prisão perpétua ou a trabalhos forçados pelo resto da vida, como estabelece o Senegal.
Apesar de a existência de legislações que penalizam a prática ser um passo muito importante, em muitos países elas não não adotadas efetivamente. “Quando pessoas são detidas, muitas vezes não se chega a uma sentença porque a polícia não pode colher as provas”, explicou o médico Nguura, que alega não haver interesse das elites na punição dessa mutilação.
Casamento infantil
Para milhões de meninas, a prática impõe o fim dos estudos, o casamento infantil e, para muitas, inclusive a morte. Para a embaixadora da boa vontade para a África da ONU Mulheres, a gambiana Jaha Mapenzi Dukureh, vítima de MGF e de casamento infantil, “quando uma menina é forçada a se casar, dá-se o direito ao marido de abusá-la todo dia”.
A ativista queniana Ismail, que sofreu a MGF quando menina, acredita ser necessário chegar a um compromisso para a punição dos culpados e defende a aplicação de multas para os pais da vítima.
“Tem de haver mais envolvimento. Deve-se apoiar as mulheres nas suas comunidades, garantir o (o acesso delas) ao ensino nos colégios e criar um número nacional (de telefone) para as meninas pedirem ajuda e serem apoiadas”, afirmou.
Para a ativista masái-queniana Nice Leng’ete, “a prática é uma violação de direitos humanos das meninas e perpetua um ciclo vicioso de desigualdade de gênero”. Selecionada em 2018 como uma das pessoas mais influentes pela revista Times, Leng’ete fugiu de casa aos oito anos para evitar que a “cortassem”.