Quando se trata de religião, histórias sobre o movimento nacionalista cristão branco ocupam a maioria das manchetes na mídia dos Estados Unidos. Porém, especialistas acreditam que outro tipo de cristianismo está sendo moldado no país através de uma aliança entre movimentos sindicais e os evangélicos.
Analistas têm relatado um renascimento do movimento conhecido como Evangelho Social, que surgiu nos Estados Unidos no final do século XIX como resposta à elevada desigualdade num país em rápida industrialização. Adeptos têm como característica o enfrentamento da exploração dos trabalhadores e de práticas comerciais antiéticas por parte de grandes magnatas.
Um exemplo desse caso foi a greve liderada por Shawn Fain, presidente do sindicato automotivo United Auto Workers (UAW), contra três grandes montadoras americanas: Ford, General Motors e Stellantis (antiga Chrysler). Antes das paralisações, Fain fez discursos em que misturava críticas à resistência dos CEOs das empresas em repassar lucros aos funcionários, com aumentos salariais, e comentários sobre sua fé cristã.
+ Depois de presentes a juízes, Supremo dos EUA lança código formal de ética
Em uma ocasião, ele citou escrituras da Bíblia em que Jesus disse aos seus discípulos que, se sua fé tivesse o tamanho de um grão de mostarda, poderiam mover montanhas porque “nada será impossível”. Ele também declarou para os membros do UAW que fazer exigências ousadas às montadoras era “um ato de fé um no outro”.
“Não foi a lógica que fez com que Moisés erguesse o seu cajado na margem do Mar Vermelho. Não foi o bom senso que fez com que Paulo abandonasse a lei e abraçasse a graça. E não foi uma comissão confiante que orou numa pequena sala em Jerusalém pela libertação de Pedro da prisão. Era um grupo de crentes desesperados que foram encurralados”, disse Fain.
A greve foi bem sucedida. Após uma campanha de paralisações de seis semanas, o UAW chegou a um acordo histórico com a General Motors, a Ford e a Stellantis, que dará aos funcionários seu maior aumento salarial em décadas.
+ Serviço secreto atira contra grupo que roubava carro de neta de Biden
O movimento do Evangelho Social transformou a religião numa arma para a reforma econômica e política. O dogma vigente é de que salvar as pessoas da miséria é tão importante como salvá-las do inferno. No seu auge, os líderes do movimento apoiaram campanhas a favor de jornadas de trabalho de oito horas, a quebra dos monopólios empresariais e a abolição do trabalho infantil.
O renascimento desses líderes agora é expresso não só em Fain, da UAW, mas também no senador democrata Raphael Warnock, no candidato presidencial independente Cornel West, no reverendo William Barber II, no reverendo Liz Theoharis e no autor vencedor do Prêmio Pulitzer, Matthew Desmond. Todos usam a Bíblia para argumentar que o capitalismo irrestrito “prospera com base em impulsos egoístas que o ensino cristão condena”.
Agora, mais americanos acreditam que o monopólio da Big Tech – grandes empresas de tecnologia, como Meta, Apple e Google – são uma ameaça crescente à prosperidade e apoiam um aumento significativo dos salários mínimos. Também faz parte de seu conjunto de crenças que o governo deveria ajudar os menos afortunados, como os jovens que lutam para pagar empréstimos escalonados, feitos para poderem acessar as universidades.
+ EUA e França aumentam pressão sobre Israel contra mortes de palestinos
“Há muita ênfase em que Jesus é para o trabalhador, Jesus é solidário com os trabalhadores”, disse Christopher H. Evans, professor de história do cristianismo na Universidade de Boston, à emissora americana CNN. “Essa é a sua mensagem consistente e permeia grande parte da tradição do Evangelho Social que remonta ao final do século XIX.”
Por várias razões, o Evangelho Social perdeu força ao longo do século XX. O otimismo personificado pelos seus líderes parecia descabido após os horrores da I Guerra. Mas a proeminência de pessoas como Fain e outros líderes indicam uma continuidade do movimento.