O arcebispo italiano Carlo Maria Viganò, ex-representante diplomático da Santa Sé nos Estados Unidos, afirmou em uma carta divulgada no sábado por jornais católicos que o papa Francisco sabia desde 2013 das acusações de abuso sexual envolvendo o cardeal americano Theodore McCarrick e falhou em punir o prelado. Por causa disso, o arcebispo pede a renúncia do pontífice.
“Neste momento extremamente dramático para a Igreja, ele deve admitir seus erros e, seguindo o proclamado princípio de tolerância zero, o papa Francisco deve ser o primeiro a dar um bom exemplo aos cardeais e bispos que acobertaram os abusos de McCarrick e renunciar junto com todos eles”, escreveu o italiano no texto de onze páginas.
Viganò ocupou o posto de núncio nos Estados Unidos de outubro de 2011 a maio de 2016, quando se aposentou. Conservador e crítico de Francisco, o arcebispo de 77 anos denuncia no texto uma “conspiração de silêncio” e uma “rede homossexual” no Vaticano. O italiano, porém, não apresenta provas de suas alegações. A Santa Sé ainda não comentou as afirmações.
Francisco aceitou no fim de julho a renúncia de McCarrick, investigado pela polícia americana por suspeita de ter abusado de um garoto de 11 anos há quatro décadas. O cardeal de 88 anos também enfrenta diversas outras acusações de abusos de adolescentes e seminaristas que teriam sido cometidos ao longo de sua carreira clerical. McCarrick foi orientado pelo Vaticano a manter “uma vida de orações e penitência” em uma casa a ser designada pelo pontífice até que o julgamento da Igreja seja realizado.
A divulgação do texto de Viganò vem em um momento delicado para Francisco. O papa está em viagem pela Irlanda, onde tenta recuperar a confiança dos católicos irlandeses após escândalos de abuso sexual abalarem a imagem da Igreja no país.
Carta
Viganò afirma em sua carta que as mesmas sanções impostas agora ao americano já haviam sido determinadas pelo papa Bento XVI, entre 2009 e 2010, por causa das suspeitas, mas não foram colocadas em prática na época. “Não sei quem foi o responsável por esse incrível atraso. Certamente não acredito que foi o papa Bento.” Em seguida, Viganò especula que o cardeal italiano Tarcisio Bertone, na época secretário de Estado do Vaticano, pode ter sido o culpado. No texto, o arcebispo afirma que Bertone era famoso por “promover homossexuais a cargos de responsabilidade”.
Ele relata ainda que, em junho de 2013, já durante o papado de Francisco, contou sobre a conduta de McCarrick em uma audiência com o argentino. “Ele corrompeu gerações de seminaristas e padres, e o papa Bento ordenou que ele se retirasse para uma vida de orações e penitência”, teria dito o italiano a Francisco. Segundo Viganò, o papa não demonstrou surpresa e, sem fazer comentários, mudou de assunto.
“Ele sabia ao menos desde junho de 2013 que McCarrick era um predador em série”, acrescenta o ex-núncio. “E, mesmo sabendo que ele era um homem corrupto, o acobertou até o amargo fim.”