“Israel está acostumado com a guerra, mas não com a carnificina que estamos vendo nesses dias”, diz o guia turístico brasileiro Mario Fishbein, de 67 anos, radicado em Israel, há 53 anos. Ele serviu o exército israelense quando jovem, está acostumado com a tensão dos conflitos armados, com os bunkers, construídos embaixo da maioria das casas, onde a população se refugia, em caso de ataques. O brasileiro mora em Natanya, a mãe Sarah, de 94, e a irmã dele, Gladis, no kibutz Be’eri, uma comunidade rural com 900 moradores, próxima à Faixa de Gaza. No sábado (7), o local foi atacado pelo Hamas. Segundo ele, “mais de 90 terroristas estavam infiltrados no local”. Entraram casa por casa, e quando conseguiam abrir os bunkers matavam as famílias que estavam ali escondidas ou as sequestravam. “Levaram muitas crianças. Fuzilaram bebês ao lado dos pais.”
A família Fishbein ficou mais de 24 horas escondida no bunker até chegar o resgate israelense. Assim que retirados do esconderijo, foram encaminhados para os ônibus que levaram as vítimas. “Minha mãe foi alvejada na nuca e meu sobrinho, Li El (que significa em hebraico “tenho Deus”), na perna, ao se aproximarem do transporte de resgate.” Sarah, a mãe, foi encaminhada nesta terça-feira (10), de manhã, para um hospital em Natanya, cidade turística com mais de 14 quilômetros de praia, onde atualmente mora Mário e outros parentes. Apesar do tiro, Sarah passa bem, mesmo assim a família achou que deveria fazer mais exames, devido à idade avançada e ao estresse dos últimos dias.
A neta de Sarah, Celeste, de 18 anos, está desaparecida desde o último sábado (7). Ela também mora no kibutz e trabalha como babá, em um jardim da infância, para ajudar no sustento da família. A jovem mora com a mãe Gladis, fotógrafa, que faz bicos como passeadora de cachorros. “Celeste é muito responsável, simpática e querida por todo mundo”, conta Mário. No dia do ataque, que era feriado no país, ela foi para a casa do namorado. Chegou a passar uma mensagem para a família, mas depois não deu mais notícias. Assim que os ataques deram uma trégua, o tio foi à casa do namorado da sobrinha para procurá-la, mas o local estava vazio. “Havia sinais de invasão, mas não de sangue”, conta ele, um tanto aliviado e com esperança de encontrá-la com vida.
“Estamos procurando informações. Tem milhares de feridos e mortos”, conta Mario. Israel montou um centro de informações para divulgar nomes de pessoas reconhecidas, vivas ou mortas. Celeste até agora não está na lista. Ela e o irmão são os únicos da família que nasceram em Israel. Mario é de Guaratinguetá, interior de São Paulo, e Sarah, da capital paulista. Eles são descendentes de judeus imigrantes da Romênia e Ucrânia, que vieram para o Brasil no início do século passado, pouco antes da I Guerra Mundial.
Só nesta terça-feira (11), Mario foi até a casa dele para dar comida para o cachorro, o Luke, de 13 anos, e levá-lo para passear um pouco. O vira-lata passou o fim de semana todo sozinho e sem comida. “Por sorte, ele está meio surdo.” Os Fishbein estão reunidos em uma casa grande de um parente, onde tem um bunker maior e mais confortável. A cada dia que passa, chegam mais informações tristes. O irmão de Celeste, Li El, de 23, já perdeu sete amigos. Para diminuir a dor e a angústia, eles não olham mais as redes sociais, por onde chegam cenas inimagináveis, como crianças de 1 e 2 anos trancadas em jaulas de cachorros, pessoas ensanguentadas, e outras apanhando do exército do Hamas. “Ninguém precisa assistir a imagens como essas, que mostram tanta falta de humanidade”. Pouco antes de encerrar a entrevista pelo telefone, Mario disse que as sirenes estavam tocando novamente. “O ataque não é muito perto”, disse com calma.