“Bolsonaro comemora ditadura brutal”, diz entidade de direitos humanos
No passado, presidente elogiou torturador e ex-ditador do Paraguai e disse que o erro do regime de exceção foi não ter matado todos os presos
A organização não-governamental americana Human Rights Watch (HRW) criticou o presidente Jair Bolsonaro por restabelecer as comemorações do golpe militar de 1964. Em nota publicada nesta quarta-feira, 27, a ONG destaca que o dia 31 de março de 1964 inaugurou duas décadas de uma “ditadura brutal” marcada por milhares de casos de tortura e execuções.
“Bolsonaro critica com razão os governos cubano e venezuelano por violarem os direitos básicos da população”, disse José Miguel Vivanco, diretor do HRW para as Américas. “No entanto, ao mesmo tempo, ele celebra uma ditadura militar no Brasil que causou um sofrimento indescritível a dezenas de milhares de brasileiros. É difícil imaginar um exemplo mais claro de dois pesos e duas medidas.”
Em uma decisão anunciada no domingo 24, Bolsonaro reverteu a política estabelecida em 2011 pela então presidente Dilma Rousseff, presa e torturada durante a ditadura militar, que determinava às Forças Armadas a suspensão de qualquer comemoração do golpe.
O Human Rights Watch reverberou o balanço da Comissão Nacional da Verdade (CNV), instituída pelo governo de Rousseff para investigar as violações ocultas de direitos humanos durante os 21 anos de ditadura militar. “É isto que Bolsonaro está celebrando”, aponta a ONG, antes de listar que 4.841 representantes eleitos foram destituídos de seus cargos, 20.000 pessoas foram torturadas e outras 434 foram mortas ou desapareceram durante o regime.
O relatório final da CNV foi entregue em 2014 e aponta 377 pessoas como responsáveis diretas ou indiretas pela prática de tortura e assassinatos durante a ditadura militar. Com 4.328 páginas, o documento consolidou um trabalho de dois anos e sete meses de audiências públicas, depoimentos de militares e de civis e coleta de informações referentes ao regime. esse conjunto serviu como base para a identificação da autoria dos crimes.
A Comissão deixou claro que o uso exclusivo de provas documentais impediu a inclusão de nomes “conhecidos” da ditadura, que não apareciam de maneira consistente nos autos das investigações. A indicação dos responsáveis não implicou em responsabilização jurídicas, já que a Comissão da Verdade não tem poder para puni-los.
O texto do HRW mencionou a morte do jornalista Vladimir Herzog, que foi torturado e assassinado em 1975 por agentes da ditadura. O filho de Herzog, Ivo, deu um depoimento à Organização e disse estar “indignado” com as recentes declarações de Bolsonaro. “Comemorar o golpe é uma ofensa, uma tortura continuada das famílias daqueles que foram assassinados”, disse Ivo.
A ONG ainda lembrou que o presidente do Brasil era membro das Forças Armadas durante a ditadura e que ele vem defendendo o regime militar durante seus quase 30 anos como deputado federal pelo Rio de Janeiro. Em 2016, durante entrevista à rádio Jovem Pan, Bolsonaro afirmou que o erro da ditadura “foi torturar e não matar” as pessoas presas. No mesmo ano, ao declarar seu voto a favor do impeachment de Dilma Rousseff, o então deputado homenageou Carlos Alberto Brilhante Ustra, um famoso torturador da ditadura e algoz da ex-presidente.
Ainda durante seu último mandato como deputado, Bolsonaro pendurou na porta de seu gabinete um cartaz com a frase “quem procura osso é cachorro”, em referência à busca dos restos mortais de supostos integrantes desaparecidos da guerrilha do Araguaia.
Depois de assumir a presidência, em evento na Usina de Itaipu, Bolsonaro elogiou o ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner como “um homem de visão, um estadista”. Sua visão positiva dos ditadores sul-americanos é endossada por outros membros de seu governo. O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que o ex-ditador chileno Augusto Pinochet “teve que dar um banho de sangue” pelo bem de seu país. Nesta quarta-feira, 27, o chanceler Ernesto Araújo negou em audiência que a intervenção militar de 1964 tenha sido um golpe de Estado.