Presidente da República da Macedônia, Gjorge Ivanov desembarcou no Brasil na metade de dezembro em busca de estreitar as relações bilaterais, atualmente quase inexistentes. Foi a primeira vez que um mandatário do país dos Bálcãs pisou em solo nacional desde a conquista da independência da Iugoslávia, em 1991. Em Brasília, Ivanov participou da inauguração da Embaixada da Macedônia –a única fixada na América Latina—e discutiu com o presidente Michel Temer medidas para intensificar as trocas comerciais. Presidente de um país com apenas 2 milhões de habitantes –equivalente a menos de 1% de toda a população brasileira—, Ivanov diz ter consciência da crise política e ética pela qual o Brasil passa. Mas pondera que esses fatos não impedem a busca por parceiras. “Políticos vêm e vão. As relações, no entanto, ficam”, explica.
Em entrevista a VEJA, o presidente da Macedônia fala sobre corrupção, as possibilidades de interação entre as nações e, com a experiência de quem recebeu mais de 1 milhão de imigrantes ilegais em apenas um ano, faz um alerta sobre a necessidade de o Brasil reforçar a segurança de suas fronteiras. Confira a íntegra:
Qual o motivo da visita ao Brasil?
Essa é a primeira visita oficial de um presidente da Macedônia à América Latina. O motivo é a inauguração da primeira embaixada da Macedônia em um país latino. É, também, o 20º aniversário do estabelecimento das relações diplomáticas entre a Macedônia e o Brasil. Nós já estivemos aqui quando fazíamos parte da Iugoslávia, mas, após a dissolução, as novas repúblicas procuram uma maneira de renovar as relações com países, e isso inclui o Brasil. Há, também, uma comunidade macedônica aqui. Não é muito grande, são alguns milhares. Mas são pessoas altamente preparadas e que estão aqui para começar a desenvolver seus negócios. Atuam principalmente com serviços digitais e em startups.
Como foi o encontro com o presidente Michel Temer?
Nós focamos em como podemos intensificar a cooperação econômica. Em nível multilateral, nós temos uma excelente relação com o Brasil. Apoiamos todas as candidaturas que o país teve e agora estamos focados em intensificar a cooperação bilateral. O Brasil faz uma relevante exportação de carne e café para a Macedônia. Temos em mente que há um déficit por nossa parte e que nós também temos de aumentar nossas exportações para o Brasil. No entanto, como somos candidatos a ingressar na União Europeia, temos de respeitar os padrões europeus. Também há, em termos de produtos brasileiros exportados para países europeus e da União Europeia, alguns tipos de barreiras. Nós precisamos encontrar, bilateralmente, uma maneira de superá-las.
O Brasil está passando, desde o ano passado, por uma crise política e ética. Quais notícias chegam ao seu país?
É um problema interno do país. Nós, então, geralmente não comentamos ou interferimos nessas questões domésticas. Mas o que digo é ilustrativo: se não há luz dentro de um quarto, você não sabe o que acontece dentro dele. Com as luzes acesas, você pode ver tudo. E, com a luz muito forte, você pode inclusive enxergar até a poeira. É algo que é muito normal, e não exclusivo do Brasil.
Essa situação não cria empecilhos para se estabelecer relações com o Brasil?
Políticos vêm e vão. As relações, no entanto, ficam. Estão falando de pessoas para pessoas, negócios para negócios. É um contato diplomático. E, por isso, precisávamos de uma embaixada aqui: para estabelecer um contato pessoal.
Qual nação o senhor tem como um bom exemplo a ser seguido?
Há 50 ou 60 anos, ninguém sabia nada sobre a Singapura. Hoje, o país é confiável e todo mundo quer fazer negócios lá. Quando o primeiro ministro foi questionado sobre a fórmula do sucesso, citou as três regras de ouro: meritocracia, pragmatismo e honestidade. Precisamos ser pragmáticos, solucionadores de problemas e não deixar acumular pendências porque, se o fizermos, elas se multiplicarão. É melhor aprender com a experiência dos outros do que deixar tudo incerto.
Essa fórmula é suficiente para blindar um país da corrupção?
O problema é que a corrupção é um estilo de vida em muitos países, principalmente ao redor do Mediterrâneo, na América Central e na América do Sul. No passado, as pessoas estavam acostumadas a pagar por todos os serviços para tornar as coisas mais fáceis e menos burocráticas. Com o passar do tempo, isso se tornou institucionalizado. Os Estados Unidos resolveram o problema e agora é chamado de “lobby”. Você paga taxas para o Estado e declara o dinheiro quando o recebe. Eles enfrentaram os problemas que todos enfrentam. Mas foram pragmáticos e o legalizaram.
Falando sobre a Macedônia, o que motivou o país a fechar as fronteiras durante a crise de refugiados na Europa?
Em 2015, o território da República da Macedônia serviu de passagem para quase um milhão de imigrantes ilegais. Nós respeitamos as regulações europeias e fechamos as fronteiras para quem é ilegal. Os imigrantes legalizados estão passando. Qualquer um que tiver a documentação e respeitar os procedimentos é muito bem-vindo para transitar, entrar e sair do país. Inicialmente, tivemos problemas com refugiados do Oriente Médio, vindos da Síria, Iraque e Afeganistão. Eles tiveram direito a asilo, direito a ser ajudados e assistidos porque vêm das áreas mais delicadas. Mas, na onda deles, imigrantes ilegais tentaram tirar vantagem. Havia pessoas vindas da África, de Bangladesh, do Paquistão. Isso é o que chamamos de imigrantes econômicos. Eles não são os mesmos que os refugiados das guerras. E, por isso, nós decidimos regular a fronteira.
Qual o impacto dos imigrantes ilegais?
No nosso caso, eles não ficam, apenas cruzam o país para chegar a outros lugares. Nossas organizações não-governamentais humanitárias os ajudam e dão assistência, mas nenhum deles, de fato, quer ficar. Eles vão para a Alemanha e para países escandinavos. Agora, as regulamentações limitam a 180 mil imigrantes por ano, mas já há uma população mais volumosa que isso querendo se movimentar. Isso significa que eles podem, talvez, vir para a América do Sul, para a América Latina e para países que são mais liberais. É possível que o Brasil esteja exposto a imigrantes ilegais nos próximos anos.
De onde viriam esses imigrantes?
Da África, do Oriente Médio, da Ásia. Em 2050, a população africana vai dobrar. Agora eles são 1,1 bilhão, mas logo eles ultrapassarão a marca dos 2 bilhões.
E o que o Brasil pode fazer para evitar a chegada desses imigrantes?
Pode, talvez, usar a nossa experiência ou regular a entrada de imigrantes ilegais. Além disso, pode também ajudar os países de onde essas pessoas vêm. Investir na África, abrir empregos lá, educar a população, investir em missões de paz e resolver conflitos que geram refugiados. Nós iniciamos uma parceria com o Brasil para participar de missões de paz por meio das Nações Unidas. Há 20 anos, soldados brasileiros estavam cuidando das nossas fronteiras. A Iugoslávia estava caindo e a primeira missão das Nações Unidas contou com vocês. Somos muito gratos por isso.
O senhor vê o risco de haver terroristas infiltrados entre imigrantes ilegais?
Quando uma enchente começa, ela carrega tudo. O mesmo vale para os terroristas. Eles usam as mesmas estratégias usadas pelos imigrantes para escapar das guerras. No Oriente Médio, há milhares de terroristas estrangeiros. Eles foram para lá como extremistas, mas estão voltando como terroristas. Isso é perigoso para toda a comunidade internacional. Eles estão procurando um lugar para se esconder. Também há aqueles que se envolvem com o mercado negro de dinheiro e que também procuram lugares para se mover. Na nossa região, temos dinheiro oriundos do cartel e de atividades criminosas, e é por isso que nós precisamos de cooperação de serviços de inteligência e de segurança. Com o Brasil, nós estamos estabelecendo uma séria cooperação na área de inteligência. A ideia é prevenir imigrantes ilegais, dinheiro ilegal e narcotraficantes.
O Brasil não tem histórico de ataques terroristas. Acha que o país deve tomar cuidado?
Não quero criar alarde. Estou dizendo isso apenas para reforçar que estamos abertos a compartilhar nossas experiências com países parceiros. O mundo é globalizado. Em um dia, um único vírus pode atingir todo o planeta. Isso é apenas uma maneira de mostrar que coisas ruins podem acontecer e atingir o mundo inteiro em poucos dias. É por isso que as pessoas precisam agir de forma preventiva.