O apagão de dados da pandemia de coronavírus no Brasil, promovida pelo governo brasileiro no último fim de semana, ganhou manchetes negativas – de novo – na imprensa internacional. O presidente Jair Bolsonaro foi chamado de “capitão sem bússola no meio da tempestade” e foi acusado de “invisibilizar as mortes” no país.
Na noite de quinta-fera 4, o governo brasileiro retirou do ar o site oficial de dados consolidados da Covid-19 no Brasil. Após 19 horas, o portal voltou ao ar, mas com informações limitadas, apresentando apenas os números das últimas 24 horas e dando destaque para o número de pessoas curadas. Sem dados claros, o Brasil deixou de aparecer por algumas horas no mapeamento da Johns Hopkings University, que compila os números da doença em todos os países que reportaram casos.
ASSINE VEJA
Clique e Assine“O governo é acusado de totalitarismo e censura”, diz o jornal britânico The Guardian. “Funcionários do ministério da Saúde disseram à mídia local que o movimento foi ordenado pelo próprio presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro – e que foi recebido com indignação generalizada no Brasil, um dos países mais atingidos pela Covid-19, com mais mortes que a Itália e mais casos que a Rússia e o Reino Unido”.
O jornal americano The Washington Post lembrou que Bolsonaro não se dá bem com números de seu próprio governo. “O desacordo sobre dados entra em um padrão abrangente de Bolsonaro. O direitista populista, e um árduo defensor do desenvolvimento comercial na Floresta Amazônica, alegou no ano passado que as agências de monitoramento de desflorestamento ‘às vezes mentem’ e que seus dados eram ‘exagerados’. Então, ele demitiu o chefe da agência que monitora o desmatamento”, escreveu, em referência a Ricardo Galvão, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“Cientistas dizem que temem que a gestão de Bolsonaro esteja se movendo para esconder dados que eles não gostam, politizando o que deveria ser um registro objetivo, com vidas humanas no balanço”, informa o Post que cita o professor adjunto de Saúde Pública da Universidade de brasília (UnB), Mauro Sanchez.
Apontado para assumir a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, o empresário Carlos Wizard, afirmou ao jornal O Globo que seria realizada uma recontagem nos números da doença e que os governadores e prefeitos divulgaram números “fantasiosos ou manipulados” para a imprensa com o objetivo de adquirirem mais recursos federais. Pouco tempo depois, desistiu de assumir o cargo.
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) repudiou a alegação de Wizard. “A tentativa autoritária, insensível, desumana e antiética de dar invisibilidade aos mortos pela Covid-19, não prosperará (…) Wizard menospreza a inteligência de todos os brasileiros, que num momento de tanto sofrimento e dor, veem seus entes queridos mortos tratados como ‘mercadoria’. Sua declaração grosseira, falaciosa, desprovida de qualquer senso ético, de humanidade e de respeito, merece nosso profundo desprezo, repúdio e asco. Não somos mercadores da morte”.
Na Itália, um dos primeiros países a entrar em colapso no sistema de saúde por causa do vírus, o jornal Corriere della Serra, afirma logo no primeiro parágrafo: “O Brasil, o segundo país mais afetado pela Covid-19, obscurece o site do Ministério da Saúde”.
O jornal francês Le Figaro disse que Bolsonaro “é um capitão sem bússola” e que em meses de crise na qual mais de 37.000 pessoas perderam suas vidas, o presidente sequer visitou um hospital, nunca dirigiu palavras de reconforto aos profissionais da saúde ou demonstrou empatia pelas famílias em luto.
Nos vizinhos sul-americanos, a imprensa retratou em seus títulos a tentativa de Bolsonaro de dar invisibilidade ao números de mortos. “A crença do governo em que os números estão superestimados vai na contramão do que sanitaristas e o próprio Ministério da Saúde em gestões anteriores afirmavam”, disse o argentino La Nacion. No chileno La Tercera, é destacado como a Covid-19 se transformou de uma emergência sanitária para uma crise política e na polarização da sociedade em torno da resposta à pandemia.
Não é a primeira vez que Bolsonaro ganha as manchetes da imprensa internacional. Sua imagem foi destaque em dezenas de editorias dos mais diversos veículos midiáticos do mundo, quase sempre de forma negativa. A britânica The Economist, voltada principalmente para os mercados, já afirmou que o isolamento de Bolsonaro pode ser “começo do seu fim” e o Guardian decretou que o presidente é o maior risco para os brasileiros.