Celular: a principal arma contra a violência policial e o racismo nos EUA
Smatphones filmam e monitoram movimentos da polícia e estão sendo usados para convencer os participantes dos protestos a votarem nas eleições presidenciais
Foram dez minutos de filmagem. Ao se deparar com George Floyd sendo rendido pelo policial Derek Chauvin, na cidade de Minneapolis, Darnella Frazier, uma adolescente de apenas 17 anos, sacou o celular e começou a gravar a cena. Mais do que produzir a prova cabal de um crime, o pequeno filme detonou a maior onda de protestos nos Estados Unidos do século 21 e demonstrou que a principal arma contra o racismo e a violência policial, nesse momento, está no bolso de quase todo americano: o celular.
Nos últimos dez anos, o pequeno aparelho ajudou a denunciar pelo menos outros sete casos de abuso de policiais contra negros, que terminaram em condenações por homicídio. “O racismo não está piorando, está sendo filmado”, resumiu o rapper e ator Will Smith.
O fenômeno está relacionado à evolução da tecnologia, que trouxe duas novas possibilidades: acoplar nos aparelhos câmeras cada vez mais potentes, com boa definição de imagem e de áudio e a divulgação de vídeos nas redes sociais de maneria instantânea. Darnella, que provavelmente utilizou os recursos sem se dar conta disso, publicou o vídeo no Facebook e, em pouco tempo, ele viralizou.
Mas a coisa não para por aí. Os celulares têm sido úteis também para os manifestantes acompanharem, em tempo real, a atividade policial durante os protestos. O aplicativo 5-0 Radio Police Scanner, que monitora o rádio da polícia, foi parar no primeiro lugar da AppStore, a loja de aplicativos da Apple, entre os aplicativos pagos (ele custa US$ 5).
Outras versões semelhantes do serviço, como Citizen, Broadcastify e Police Scanner Radio & Fire, também têm sido bastante baixados. Graças a eles, é possível obter informações sobre saques, incêndios, tiroteios, além da localização, em tempo real, dos agentes da lei. O scanner capta trechos de conversa e relatórios de campo, incluindo algumas e informações não verificadas e possivelmente enganosas.
Utilizados anteriormente para manter a população salva em momentos de tensão, como o atentado terrorista durante a maratona de Boston, em 2013, os aplicativos, agora, se voltaram contra a polícia e causam polêmica. Especialistas têm alertado para o fato de que a tecnologia poderia ser utilizada por criminosos para escaparem da ação policial. Alguns departamentos já se preveniram contra o uso dos apps e utilizam mensagens criptografada na comunicação entre os agentes da lei.
Curiosamente, os manifestantes têm a mesma preocupação quanto ao sigilo de suas conversas. O Signal, um app de troca de mensagens considerado mais seguro que o Whatsapp e o Telegram, aumentou consideravelmente o número de downloads nas lojas virtuais nos últimos dias.
Campanha Eleitoral
O uso dos celulares nos protestos também ganhou caráter eleitoral. Grupos que se dedicam a convencer o americanos a comparecerem às urnas, estão utilizando informações passadas por meio de aplicativos para conquistar eleitores. O engajamento tem mais chance de sucesso entre pessoas que já estão participando de atos políticos.
Aplicativos geo-referenciados (aqueles que pedem para saber a localização do usuário) repassam dados para empresas há tempos. Por meio da análise de dados, o chamado Big Data, elas buscam aumentar suas vendas com mensagens personalizadas, enviadas diretamente aos consumidores. A mesma estratégia está sendo utilizada, agora, para conquistar apoiadores de grupos políticos.
“Quando esses protestos surgiram, foi surpreendente: uau, as pessoas estão se reunindo novamente”, disse Quentin James, fundador e presidente do The Collective, que trabalha para eleger afro-americanos, ao jornal Wall Street Journal.
O The Collective trabalhou com a VoteMAP, uma empresa de tecnologia especializada em coletar dados de localização para progressistas. A companhia identificou celulares, num raio de até uma milha em torno de protestos, nas cidades de Columbus, Milwaukee, Minneapolis e Washington DC, entre 29 e 31 de maio. Nas últimas duas semanas, o VoteMAP veiculou anúncios para mais de 14 mil aparelhos que estavam nas áreas das manifestações. A campanha “Vote para viver” estará ativa até setembro, quando o coletivo prevê o engajamento de até 250 mil eleitores negros.
Nos Estados Unidos, convencer cidadãos tirarem título de eleitor pode impactar diretamente o resultado das eleições, já que o voto não é obrigatório. Para quem está lutando pela implantação de políticas públicas que acabem com a perseguição racial e o preconceito, falar diretamente com as pessoas é fundamental. E o jeito mais eficaz de fazê-lo, já se sabe, é pelo celular.