O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou ao jornal Clarín não acreditar que o possível governo de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, na Argentina, será diferente da gestão anterior da ex-presidente. O atual governo brasileiro qualifica o mandato de Kirchner (2007-2015) como esquerdista, associado ao Fórum de São Paulo e compactuado com o bolivarianismo. Araújo avisou que o Brasil não deixará o Mercosul retroceder a um “projeto bolivariano”, como teria sido durante os governos do PT.
“Há uma roupagem de racionalidade econômica nessas últimas entrevistas (de Fernández), mas o passado parece muito claro. Há algumas coisas que são ditas em campanha, mas não temos muita ilusão de que esse kirchnerismo 2.0 seja diferente do kirchnerismo 1.0”, afirmou. “Para usar uma imagem, vejo Alberto Fernández como uma boneca russa. Você a abre e vem Cristina Kirchner. Abre esta e está o Lula, e depois o Chávez”, completou, referindo-se aos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, da Venezuela.
O chanceler brasileiro apresentou argumentos para as recorrentes declarações do presidente Jair Bolsonaro contra a eventual vitória da chapa Fernández-Kirchner, que venceu as eleições primárias de 11 de agosto com vantagem de 15 pontos sobre o presidente Maurício Macri, concorrente à reeleição. O presidente brasileiro chegou a insultar os candidatos peronistas, dizendo serem “bandidos de esquerda”.
“Pode haver retrocessos no livre comércio dentro do Mercosul, mas negociações com o resto do mundo e uma tentativa de relativizar a democracia, algum tipo de aproximação a regimes totalitários que infelizmente existem na nossa região”, afirmou Araújo, referindo-se a Cuba e a Venezuela.
“Estamos muito preocupados com isso. Por quê? Porque existe um passado. Qual é o currículo do candidato Alberto Fernández e da candidata Cristina Kirchner? É um currículo de um Mercosul que era usado para fins ideológicos, que não servia aos seus objetivos comerciais e também de falta de compromisso com a democracia.”
Araújo afirmou ao jornal argentino que a vitória da chapa Fernández-Kirchner na eleição presidencial de 27 de outubro significará um retrocesso no bloco, que vivenciara um pacto suicida nos tempos dos governos de Lula e de Néstor Kirchner. Desde o início deste ano, sustentou ele, os presidentes Bolsonaro e Macri tinham feito um “pacto de crescimento, de geração de empregos, de abertura ao mundo e também de defesa da democracia na nossa região”.
Para ele, a ratificação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, assim como os demais em negociação, estaria ameaçada, assim como a posição comum entre os dois países sobre a Venezuela.
O chanceler afirmou ter se preocupado especialmente com a visita de Fernández a Lula, na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba em julho, e mais ainda pelo fato de o argentino ter dito que pensava de forma semelhante ao petista. Para Araújo, a iniciativa foi “ofensiva aos brasileiros”, da mesma forma como a declaração de Fernández de que Bolsonaro é racista foi “sumamente ofensiva” ao governo.
“No Brasil, sabemos como o Lula pensa. O pensamento do Lula criou um país com os problemas que conhecemos de corrupção, de paralisia econômica, de uma economia que não conseguiu proporcionar empregos à população”, disse Araújo. “Neste momento, não temos diálogo com ele (Fernández) e não cremos que (a ofensa) seja uma base para qualquer diálogo”, completou, sem mencionar o insulto de Bolsonaro à chapa peronista.