Pilar do projeto de alçar a China ao posto de superpotência, a Iniciativa do Cinturão e Estradas, apelidada de “nova Rota da Seda”, em referência à rede de comércio que ligava o Oriente ao Ocidente na Antiguidade, espalhou, desde 2013, cerca de 1 trilhão de dólares em investimentos chineses pelo mundo. Em setenta países, créditos aprovados por Pequim constroem e aperfeiçoam portos, ferrovias, aeroportos, sistemas de telecomunicações e até universidades, um movimento que contribui para ampliar sua área de influência. Na disputa cada vez mais aberta e ferrenha pela hegemonia mundial, os Estados Unidos não poderiam ficar para trás: criaram, eles também, um banco especialmente para financiar projetos em países com menos recursos. Nessa briga de gigantes, áreas cruciais perenemente afetadas pela falta de dinheiro mundo afora estão, enfim, tendo uma chance de sair do atraso.
O trem da alegria americano é movido pelo Banco de Financiamento de Desenvolvimento (DFC, na sigla em inglês), constituído em 2019, ainda no governo Trump, e usado como poderosa ferramenta diplomática pelo sucessor, Joe Biden, que segue firme no duelo com o dragão chinês. Seu orçamento de 60 bilhões de dólares destina-se a projetos em quatro áreas — saúde, tecnologia, sustentabilidade e igualdade de gênero. Na instalação de cabos submarinos de fibra óptica que conectam Singapura, Indonésia e a Ilha de Palau, no Pacífico, aos Estados Unidos, os americanos apresentaram uma proposta pensada e orçada para desbancar a rede oferecida pela Huawei na mesma região. Em outra jogada, ofereceram 500 milhões de dólares em subsídios para que o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, trocasse o wireless chinês pelo do consórcio rival, formado por Ericsson, Nokia e Samsung. “É uma competição por supremacia, com potencial de gerar grandes benefícios a outros países”, diz John Costello, do Center for a New American Security, de Washington.
O Brasil vem colhendo frutos dessa disputa de ambas as partes. O DFC está envolvido aqui em oito projetos, somando quase 1 bilhão de dólares. O mais recente, anunciado em março, prevê uma linha de crédito de 400 milhões de dólares para pequenas empresas do Norte e Nordeste lideradas por mulheres. O banco está por trás ainda do Smart Rio, que inclui a modernização da iluminação pública, a expansão nos acessos de wi-fi e a instalação de um sistema inteligente de gerenciamento de trânsito na capital fluminense. Do outro lado do ringue, o Brasil é o segundo maior receptor de investimentos em infraestrutura e energia vindos da China. Entre os projetos está a concessão da ponte Salvador-Itaparica, uma obra de 7,7 bilhões de reais que será tocada pela construtora chinesa CCCC.
Os efeitos mais visíveis dos investimentos chineses estão na África, que passa por um crescimento febril. Segundo levantamento da London School of Economics, a China injeta no continente 110 bilhões de dólares anualmente. Espalhadas por todas as nações africanas, cerca de 10 000 empresas chinesas impulsionam a expansão em setores-chave, como a geração de energia. No seu quintal, a Ásia, os chineses ergueram um aeroporto internacional novinho em folha no Paquistão e a Indonésia ganhará um trem-bala. A contrapartida esperada por Pequim, nesses casos, é prioridade no fornecimento de matérias-primas e apoio às posições chinesas nos órgãos internacionais.
Não é a primeira vez que países com menos recursos são beneficiados pela disputa entre potências. Após a II Guerra, os Estados Unidos injetaram 13 bilhões de dólares na reconstrução de nações europeias que queriam manter sob sua órbita. Naquele tempo, porém, os blocos capitalista e socialista eram bem definidos, ocupados inclusive militarmente. Agora é diferente — há espaço para barganhar e mudar de lado, ao sabor das vantagens oferecidas. A disputa deve esquentar nos próximos meses com o Build Back Better World (B3W, Reconstruir um Mundo Melhor), plano anunciado em junho pelo G7, o grupo das economias mais avançadas, que direciona 40 trilhões de dólares para projetos sustentáveis na África, Sudeste Asiático e América Latina. Antes mesmo de o dinheiro começar a fluir, a China reagiu multiplicando financiamentos na Ásia: uma fábrica de painéis solares na Malásia, rodovias no Laos e sessenta iniciativas no Vietnã. Sabendo barganhar, dinheiro não vai faltar.
Publicado em VEJA de 28 de julho de 2021, edição nº 2748