Com viagem à China em vista, o que esperar do Itamaraty sob Lula?
Presidente quer que Brasil seja protagonista nas questões mais espinhosas do momento, mas custo da agenda multilateral aumentou
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) iniciou, nesta quarta-feira, 12, sua aguardada visita de Estado à China, com uma agenda lotada que visa a ampliar a parceria econômica com o gigante asiático. A viagem ocorre, no entanto, em meio a turbulências globais, como a guerra na Ucrânia e uma crescente disputa de poder entre Pequim e os Estados Unidos, questões que o Itamaraty deseja navegar sem se comprometer em nenhuma frente.
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Mauro Viera, ministro das Relações Exteriores de Lula, disse em entrevista às Paginas Amarelas de VEJA que o Brasil não terá “alinhamentos automáticos”. Em seus primeiros 100 dias no cargo, Lula tentou provar isso com uma série de viagens ao exterior.
Em janeiro, ele visitou a Argentina, para a cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), e o Uruguai. Em fevereiro, foi aos Estados Unidos para se encontrar com o presidente Joe Biden. Nesta terça-feira 11, embarcou para Pequim por quatro dias, onde se encontrará com Xi Jinping. E, na próxima semana, Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, visitará Brasília – fora outras dezenas de encontros com chefes de Estado.
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Lula também anunciou sua intenção de liderar a luta contra as mudanças climáticas e formar um “clube da paz” para mediar negociações de paz e pôr fim à guerra na Ucrânia.
Assim como em seus dois primeiros mandatos, os objetivos internacionais de Lula giram em torno de garantir ao Brasil um papel de protagonista nas questões mais espinhosas do momento.
Entre 2003 e 2010, ele traçou uma diplomacia pragmática e independente, colocando os interesses brasileiros em primeiro lugar. Com a meta de criar um mundo “multipolar”, em oposição à hegemonia americana, ajudou a fundar o Brics, um bloco de economias emergentes que inclui Rússia, Índia, China e África do Sul. Mas também sentou à mesa com George W. Bush, para impulsionar a agenda do etanol.
Acontece que o mundo deu voltas e mudou muito desde então. O Brasil está mais polarizado e o apoio interno do petista diminuiu. Já a China deixou de ser um mercado emergente para se tornar uma potência mundial, que hoje disputa o pódio de líder global com Washington. Além disso, a invasão da Ucrânia pela Rússia inaugurou a primeira guerra na Europa em 30 anos. Tudo isso aumentou os custos de ser amigo de todos.
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Neste terceiro mandato, a estratégia de não alinhamento, uma espécie de tradição brasileira, será testada como nunca antes. O ato de equilíbrio entre Estados Unidos e China, para começar, já não está muito equilibrado.
No encontro com Biden, Lula manteve o foco em assuntos que ambos têm em comum – defesa da democracia, direitos humanos e meio ambiente. Do lado americano, conseguiu-se que o presidente brasileiro assinasse um comunicado conjunto condenando com todas as letras, pela primeira vez, a Rússia por causa da guerra. Já o Brasil garantiu uma doação de US$ 50 milhões ao Fundo Amazônia. Mas ficou por aí. A viagem à China, por sua vez, parece ser mais promissora.
O governo do Brasil está tomando medidas para permitir que o comércio com Pequim seja liquidado em renminbi, a moeda da China. Também indicou que pode entrar na Iniciativa do Cinturão e Rota, um programa bilionário de infraestrutura do governo Xi, apelidado de Nova Rota da Seda. Durante a visita, espera-se que mais de 20 acordos sejam assinados, que vão desde investimentos em energia renovável até cooperação em ciência e tecnologia.
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A China ultrapassou os Estados Unidos e virou o maior parceiro comercial do Brasil em 2009. Hoje, importa do Brasil quase dois terços de sua soja, dois quintos de sua carne bovina e um quinto de seu minério de ferro.
No entanto, os Estados Unidos continuam sendo, de longe, líder em termos de investimento direto estrangeiro (IDE). Em 2020, segundo os dados mais recentes, mais de US$ 124 bilhões em investimentos no Brasil eram americanos, em comparação com apenas US$ 23 bilhões da China, segundo o Banco Central. Fora que a maior parte das exportações brasileiras para os Estados Unidos é de maior valor, incluindo aviões e aço.
Em sua cruzada para tornar-se um ator – e pacificador – global, Lula corre o risco de alienar ambos os parceiros. Sua proposta de criar um “clube da paz” para acabar com a guerra na Ucrânia irrita tanto os Estados Unidos e aliados na Europa, que o critica por ser demasiado brando com a Rússia, quanto Xi Jinping, que apresentou seu próprio plano ao russo Vladimir Putin.
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Também falta solidez na retórica do petista. Embora o Brasil tenha votado na ONU para condenar a Rússia por invadir a Ucrânia, Lula disse que Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, é “tão responsável quanto Putin pela guerra”. Em janeiro, ele reiterou o ponto depois de rejeitar o pedido da Alemanha de enviar munições para a Ucrânia: “Ainda acho que quando um não quer, dois não brigam”. Em 6 de abril, ele reconheceu que a Rússia “não pode manter o território ucraniano” que capturou desde 2022, embora tenha sugerido que a Ucrânia pode ter de entregar a Crimeia em um acordo para acabar com a guerra.
Enquanto isso, o assessor especial de Lula (e guru de política externa), Celso Amorim, foi à Europa em março para se encontrar com Putin, mas não visitou a Ucrânia. O Brasil quer continuar nas boas graças da Rússia porque é um parceiro do Brics e porque fornece 25% dos fertilizantes do Brasil.
Embora Amorim não seja mais chanceler, como o foi nos mandatos anteriores de Lula, ele ainda atua como uma espécie de ministro das Relações Exteriores paralelo. Pouco antes da viagem a Moscou, ele encontrou Nicolás Maduro na Venezuela, bem como membros da oposição do país, antes das eleições presidenciais do ano que vem. Com um vai e volta na retórica, dois cérebros no Itamaraty e uma estratégia diplomática de 20 anos de idade, pode ser que a tentativa de abraçar o mundo só faça jogar o Brasil para escanteio no tabuleiro geopolítico.