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Como bilionários chineses criaram uma bolha imobiliária no Canadá

Investimentos estrangeiros em imóveis levaram preços a saltarem 50% nos últimos dois anos. Agora, Trudeau quer impedir que o movimento continue

Por Amanda Péchy
Atualizado em 21 abr 2022, 10h54 - Publicado em 21 abr 2022, 10h42
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  • Um canadense que tentar comprar uma casa em seu país hoje terá que pensar duas vezes antes de pôr a mão no bolso. Em fevereiro, o país registrou seu maior preço médio de venda de uma casa, a US$ 647.340 (mais de R$ 3 milhões). Só no ano passado, os preços de propriedades no país subiram 20%, acumulando alta de 50% nos últimos dois anos. Paralelamente, as taxas de aluguel também aumentaram.

    O primeiro-ministro Justin Trudeau elegeu como principais responsáveis pela inflação os bilionários e multimilionários estrangeiros que investem no mercado imobiliário canadense para proteger – e multiplicar – suas fortunas. Segundo relatório da Statistics Canada, investidores são donos de quase um terço das casas nos principais centros urbanos, como Ontário e Colúmbia Britânica. Na tentativa de esfriar o mercado superaquecido, o governo anunciou neste mês que proibirá novas aquisições de imóveis por estrangeiros durante dois anos.

    A menina dos olhos de investidores imobiliários

    O Canadá tem atraído investimentos em seu mercado imobiliário devido às suas paisagens deslumbrantes, alta qualidade de vida, oportunidades educacionais e, talvez o mais importante, valorização consistente de propriedades ao longo do tempo. Na última década, o preço dos imóveis subiu a uma média de mais de 5% ao ano.

    Um culpado frequentemente citado pela enxurrada de dinheiro offshore no mercado são os incentivos governamentais destinados a trazer estrangeiros ricos para o país: o Programa de Investidores Imigrantes do Canadá.

    Criado em 1986 pelo governo de Brian Mulroney, o programa concedeu residência permanente a qualquer cidadão estrangeiro disposto a desembolsar mais de US$ 800.000 (R$ 3,71 milhões), reembolsáveis ​​sem juros após cinco anos – mais simples que um programa semelhante nos Estados Unidos, que exigia a criação de 10 empregos no país junto ao aporte, e na Austrália, que cobrava o dobro que o Canadá dos investidores estrangeiros.

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    Mesmo que alguns escolham instalar suas famílias na nova fronteira, os investidores continuavam trabalhando e pagando imposto de renda em outros lugares. O único requisito para isso era que passassem menos de 183 dias por ano no país, mantendo uma residência e negócios no exterior.

    Por volta dos anos 2010, quando o programa foi progressivamente desmantelado, um estudo do governo canadense mostrou que, mesmo depois de cinco anos no Canadá, mais de 60% dos imigrantes da classe investidora não relataram nenhum rendimento no país. Ou seja, o mercado imobiliário foi carinhosamente estimulado, enquanto outros cantos da economia canadense não se beneficiaram em nada com a presença dos ricaços.

    Mesmo com o fim do programa, estrangeiros em busca de investimentos imobiliários continuaram olhando para o Canadá.

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    “Décadas de incentivos públicos a estratégias de desenvolvimento urbano, moeda e governo estáveis e impostos sobre propriedade muito baixos, já que a maioria das taxas canadenses recaem sobre a renda, continuam tornando o país atraente”, afirma Peter Hall, professor do Programa de Estudos Urbanos da Simon Fraser University, no Canadá.

    Chineses buscam estabilidade longe das garras do dragão de Pequim

    Essa estabilidade tão característica do Canadá é especialmente interessante para investidores que vêm de nações mais conturbadas – com destaque para a China. Milionários chineses, que já somam mais de cinco milhões de pessoas no país, consideram propriedades no Ocidente como receptáculos seguros ​​para suas fortunas. A atmosfera de corrida do ouro no mercado imobiliário do país deve-se muito ao fluxo de dinheiro que vem da China continental.

    Segundo o Juwai.com, principal plataforma chinesa para compradores de propriedades no exterior, o Canadá é o terceiro destino mais popular para investimentos asiáticos no mercado imobiliário. Correspondendo a 8,4% de todo o interesse desses compradores, os principais focos são Toronto, Vancouver e – em menor grau – Montreal. Isso tem sido consistente nas últimas décadas (o país nunca saiu do top 5 desde o início das pesquisas do Juwai.com).

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    Ao lado dos voláteis mercados imobiliários da China, propriedades em quase qualquer lugar do mundo ocidental podem parecer uma ilha de sanidade financeira. Além disso, as altas intensas dos preços de casas, especialmente nos últimos dois anos, chamaram ainda mais a atenção dos compradores asiáticos.

    Ativos imobiliários são os favoritos dos chineses, devido também à sua estabilidade. No entanto, investir dentro do país pode cancelar esse benefício: segundo a Associação de Intermediários Imobiliários de Shenzhen, um dos principais hubs de imóveis do gigante asiático, as vendas de casas em 2021 caíram 60%, menor nível em 15 anos. O tombo se relaciona a preocupações com o sistema político autoritário e a falta de um Estado de direito transparente com corrupção desenfreada, que prejudicam a confiança no mercado.

    E, comparado com outros países desenvolvidos no Ocidente, o Canadá tem um metro quadrado muito acessível. Enquanto nos subúrbios de Paris o valor pode chegar a R$ 12.000 (R$ 55.700), no Canadá ele varia entre US$ 2.200 e US$ 3.300 (entre R$ 9.000 e R$ 14.000), dependendo do setor imobiliário. Uma pechincha para magnatas chineses.

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    Bolha canadense

    No entanto, a festa dos ricaços vem com um preço – que, como é de praxe, não recai sobre os próprios ricaços. O Canadá alcançou a maior desigualdade entre renda e preços de imóveis dentro do G7, o grupo dos países mais industrializados do mundo, de acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

    Duas de suas grandes cidades, Vancouver e Toronto, frequentemente aparecem em rankings de bolhas imobiliárias globais. De acordo com o Statistics Canada, “as pessoas que possuem múltiplas propriedades concentram quase um terço de todas as casas do país, e os 10% dos proprietários mais ricos do Canadá respondem por cerca de um quarto do valor total de construções residenciais”.

    Uma pesquisa da plataforma Juwai.com perguntou à sua base de agentes imobiliários se eles concordavam ou discordavam da afirmação: “Há uma bolha imobiliária no Canadá”. Quase metade (44%) respondeu que concorda ou concorda fortemente. Apenas 28% discorda.

    “O Canadá, assim como grande parte do mundo, está passando por uma bolha imobiliária agora, porque é um país que carece de proteções sociais no mercado imobiliário”, afirma Hall, da Simon Fraser University. “A habitação está agora aumentando outras desigualdades sociais com mais força do que antes”, completa.

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    Tudo isso levou o Canadá a um paradoxo econômico. Por um lado, de Vancouver a Toronto o dinheiro chinês deixou os valores de casas fora do alcance até mesmo de profissionais abastados. Por outro, essas mesmas condições estão aumentando consideravelmente o patrimônio líquido de milhões de canadenses e apoiando uma constelação de indústrias relacionadas à habitação, desde vendas de imóveis até decoração de interiores.

    Esse setor pode ser considerado um dos principais motores da economia do Canadá. Um relatório de alguns anos atrás do Altus Group, empresa de consultoria imobiliária com sede em Toronto, estimou que reformas de casas contribuíram com até 4% do PIB do Canadá em 2014, ou cerca de US$ 64 bilhões. Somando a construção de novas casas e outras indústrias associadas ao setor, isso chegou a até 20% da economia do Canadá.

    Para quem está nesse meio, de construtores a advogados imobiliários, a questão não é tanto o que os compradores chineses estão fazendo com o mercado imobiliário canadense. É o que pode acontecer sem eles.

    Segundo Hall, a proibição de Trudeau não deve levar ao fim dos investimentos estrangeiros, já que “muitos deles têm maneiras indiretas de colocar dinheiro no mercado local”. Para o especialista em urbanismo, soluções reais precisam passar pela oferta de habitação fora do sistema de preços de mercado. Com ou sem fluxo de capital chinês.

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