Como o fechamento de fronteiras afeta brasileiros para viagens ao exterior
Companhias aéreas começam a retomar rotas, mas restrições impostas por diversos países impedem brasileiros de entrar em alguns territórios
Na terça-feira 30 de junho, o especialista em tecnologia da informação Yudi Ferreira pôs um ponto-final em uma saga que durou angustiantes 110 dias. O santista, que vive com a mulher em Dublin, na Irlanda, desembarcou no Brasil em março para uma breve temporada de férias. O que era para ser apenas uma pausa na rotina de trabalho virou um pesadelo infindável. A decisão dos governos europeus de proibir a entrada de brasileiros, sob o argumento de que poderiam transmitir a Covid-19, e o número reduzido de voos tornaram as viagens internacionais um sonho impossível. Ferreira é uma exceção. Depois dos cancelamentos em série dos voos para a Irlanda, ele enfim obteve autorização para deixar São Paulo rumo à Irlanda — mas apenas porque possui cidadania europeia. “No embarque, vi uma pessoa impedida de fazer o check-in por não conseguir comprovar a razão da viagem”, diz. “Não pude escolher o assento do avião. As poltronas só tinham passageiros na janela e no corredor, enquanto as do meio ficaram livres.” Na chegada a Dublin, foi obrigado a assinar um formulário comprometendo-se a passar duas semanas trancado em casa, em isolamento. “Tenho receio de viajar, mas não podia ficar parado no Brasil”, diz.
Os números preocupantes da pandemia em território brasileiro instalaram o país na mira de outras nações. No mesmo dia que Ferreira embarcou, a União Europeia confirmou que a proibição à entrada de brasileiros continuará mesmo após o relaxamento das restrições nas fronteiras europeias. No início de junho, os Estados Unidos vetaram a entrada de pessoas, de qualquer parte do mundo, que estiveram recentemente no Brasil. Até que os dados oficiais do coronavírus caiam de modo mais exponencial, situação que começa a se vislumbrar, será complicado viajar ao exterior. Há exceções que confirmam a regra. Tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, é autorizado o ingresso de cidadãos com passaporte europeu ou americano, de residentes de longa duração nesses países e de viajantes que exercerão atividades específicas, como estudar ou executar tarefas consideradas “qualificadas”. A ausência de regras claras — quais profissionais se enquadram na categoria “qualificados”? — dá margem para diferentes interpretações, o que tem gerado confusão nos aeroportos. Muitos passageiros são informados de que não podem viajar apenas ao fazer o check-in.
Se as viagens internacionais estão comprometidas, o turismo doméstico tende a ser revigorado. Segundo estudo realizado pela consultoria MindMiners, 61% dos viajantes pretendem desbravar roteiros dentro do país antes de se arriscar no exterior. “No período da pandemia, houve um aumento do turismo nacional, que se tornou uma opção ainda mais atraente”, diz Aldo Leone Filho, presidente da Agaxtur, uma das maiores agências de viagens do país. “Mas também acredito que a retomada das viagens internacionais será rápida, conforme as restrições de entrada e saída pelo mundo vão sumindo.” Em abril, a Agaxtur criou, ao lado de empresas como a companhia aérea Gol e a rede de cartões Elo, o “Movimento Supera Turismo Brasil” para dar algum alento ao setor. Uma das propostas foi melhorar as operações do e-commerce das agências de viagem, ainda habituadas a vender pacotes em lojas físicas. Com a quarentena, elas foram obrigadas a acelerar a transformação digital, o que acabou por gerar receitas extras.
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Clique e AssineO exemplo europeu mostra que o turismo deixou o pior para trás. Na semana passada, a icônica Torre Eiffel, em Paris, foi reaberta. Embora com uma série de restrições, como a impossibilidade de usar o elevador para visitar o monumento, o fluxo de turistas foi intenso. As previsões pessimistas começaram a ser revistas também pelas companhias aéreas. A alemã Lufthansa pretende retomar até setembro 90% dos voos de curta e média distância e 70% das rotas de longo alcance. Gigantes como a francesa Air France, a portuguesa TAP e a suíça Swiss também projetam uma recuperação mais veloz. Há sinais de retomada inclusive no Brasil, apesar das restrições vigentes em diversos países. Segundo Fabio Camargo, diretor da operação brasileira da companhia aérea americana Delta, a expectativa é que as rotas entre São Paulo e vários destinos nos Estados Unidos sejam restabelecidas em agosto. A Gol espera que, em julho, o número de voos diários chegue a 250 — em abril, foram 50 —, e planeja o retorno de todas as rotas internacionais em setembro. A Latam, companhia aérea em atividade na América do Sul que mais sofreu com a crise do coronavírus, diz que neste mês irá operar voos para pelo menos dez destinos internacionais. A empresa pediu recuperação judicial no Chile, mas a filial do Brasil não foi incluída no processo. Ainda não dá para fazer as malas, mas já é possível começar a pensar nos possíveis destinos.
Publicado em VEJA de 8 de julho de 2020, edição nº 2694