Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99
Continua após publicidade

Como o impacto da guerra ajuda Macron a se firmar favorito na eleição

A chance de polir a imagem de estadista nas respostas do Ocidente à invasão da Ucrânia pesou para o presidente francês na disputa

Por Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h20 - Publicado em 2 abr 2022, 08h00

Quando o Ministério da Defesa da Rússia anunciou, na segunda-feira 28, que o aparato militar em torno da capital ucraniana, Kiev, seria reduzido “drasticamente”, chegando a aventar até um possível encontro entre os presidentes Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky, os líderes ocidentais correram ao telefone para avaliar o que parecia ser um primeiro movimento russo na direção de um cessar-fogo. No fim, optaram pelo ceticismo, visto que as bombas não pararam de cair, ao menos até quinta-feira 31 de março. O que é ruim para a Ucrânia, contudo, pode render pontos para Emmanuel Macron. Faltando poucos dias para o primeiro turno da eleição francesa, no dia 10, o presidente, que busca um segundo mandato, teve de novo a chance de se posicionar, ao lado do americano Joe Biden e do britânico Boris Johnson, no núcleo que determina as respostas do Ocidente à inaceitável invasão russa. Além de ressaltar seu papel de estadista influente, a guerra reduziu sua presença em debates e comícios, por estar “ocupado com coisas mais relevantes”.

Nada mau para quem lidera todas as pesquisas e quer continuar assim. Com 28% das intenções de voto, Macron tem confortável vantagem sobre a ultradireitista Marine Le Pen, com 17,5%. No segundo turno, a previsão é de que vença por 57% a 43%. Mas baques anteriores na popularidade levam sua equipe a tratar a dianteira com cautela. Le Pen, que aprendeu a amenizar posições para se tornar mais palatável, chegou a ultrapassá-lo nas pesquisas em alguns momentos. A entrada do mais direitista ainda Éric Zemmour na corrida, no fim do ano passado, chacoalhou o cenário eleitoral — escritor e frequentador de programas de TV, ele arrastou multidões para comícios onde exaltava as glórias passadas da França e atribuía todas as mazelas do país aos imigrantes. O entusiasmo inicial não durou e Zemmour está hoje em quarto lugar, com 11% das intenções de voto — atrás até do esquerdista radical Jean-­Luc Mélenchon (14%). Curiosamente, tanto Zemmour quanto Mélenchon se desculparam por terem, no passado, tecido elogios a Putin.

RIVAL - A direitista Marine Le Pen: em segundo, apesar da suavizada no discurso -
RIVAL - A direitista Marine Le Pen: em segundo, apesar da suavizada no discurso – (Romain Perrocheau/AFP)

Uma certeza, anotada por todos os candidatos, foi a virada da França para a direita, caracterizada pela latente insatisfação na área rural e entre os trabalhadores menos qualificados — tradicionais redutos da esquerda e que hoje se preocupam mais com o preço da gasolina e da energia e com a deterioração dos serviços públicos — e pelo desinteresse dos jovens pela política, o que aumenta o peso do eleitor mais velho e conservador. Hoje, 37% do eleitorado se declara de direita, 4 pontos a mais do que na votação de 2017, e 20% se dizem de esquerda, 5 pontos a menos do que há cinco anos. La gauche francesa, força política e intelectual cuja influência ia muito além das fronteiras, implodiu, pulverizada em vários partidos pequenos. La droite, ao contrário, apoiando-se no ressentimento contra imigrantes e batendo na tecla nacionalista, ganhou espaço.

Continua após a publicidade

O próprio Macron, que saiu do mercado financeiro para a vida pública e é até hoje visto como “presidente dos ricos”, ajustou o perfil liberal e técnico aos novos tempos. Hoje ele defende com vigor a preservação do patrimônio cultural francês frente a influências de fora, abrindo fogo contra o woke — uma espécie de versão radical do politicamente correto nascida nos Estados Unidos. Além disso, ampliou os poderes da polícia em nome do combate à criminalidade e aprovou leis para defender os “valores da República” contra o “separatismo islâmico”. A atuação do governo durante a pandemia, duramente criticada no início, acabou sendo bem-aceita pela população, sobretudo devido às medidas de preservação de empregos e salários. Com esse currículo, e a sempre eficiente bandeira de melhor opção entre dois extremos, o presidente passou à frente dos adversários e assumiu o posto de favorito nas eleições.

TUDO IGUAL - Bombeiros removem vítima de bombas russas em Mykolaiv, no sul da Ucrânia: o recuo anunciado não aconteceu -
TUDO IGUAL - Bombeiros removem vítima de bombas russas em Mykolaiv, no sul da Ucrânia: o recuo anunciado não aconteceu – (Bulent Kilic/AFP)

No plano externo, a ambição de Macron de liderar uma Europa unida e fortalecida ganhou tração com a saída de cena da alemã Angela Merkel. O novo chanceler, Olaf Scholz, ainda está se aclimatando ao cargo e o outro rival em potencial, Mario Draghi, da Itália, economista amplamente respeitado por sua atuação no Banco Central Europeu, tem problemas suficientes dentro de casa. A guerra na Ucrânia veio acentuar o protagonismo de Macron em uma situação acompanhada de perto pela França e por toda a Europa.

Continua após a publicidade

Levantamento do Centro de Pesquisas Políticas da universidade Sciences Po Paris mostrou que a invasão é fato decisivo para 50% dos franceses e 90% têm medo de suas consequências. Visitando Putin, atuando em reuniões da Otan (organismo do qual, no passado, decretou “morte cerebral”) e cultivando a imagem de negociador, Macron vem recebendo manifestações de apoio de todos os lados — até da adversária Marine Le Pen. “Fotografias com líderes europeus reunidos para discutir a guerra têm um peso significativo na construção de um perfil de liderança a ser seguida”, diz o pesquisador Gilles Ivaldi, um dos responsáveis pelo estudo.

VOZ ATIVA - Conversa com Biden: no núcleo que decide a reação do Ocidente -
VOZ ATIVA - Conversa com Biden: no núcleo que decide a reação do Ocidente – (Thomas Coex/AFP)

Partidário de uma União Europeia que toma decisões em bloco e independe de alianças, Macron sempre insistiu na necessidade de cada país investir em sua defesa, em vez de riscar esse item do orçamento e confiar na proteção da Otan, aliança em que a voz dos Estados Unidos fala mais alto. Agora, vê sua proposta ser aceita até pela Alemanha, país ferrenhamente antimilitarista desde o fim da II Guerra, que, após a invasão da Ucrânia, resolveu se armar. “Ele tem sido o agente diplomático europeu mais ativo no conflito”, confirma Tara Varma, pesquisadora do Conselho Europeu de Relações Exteriores. Com a Rússia emitindo sinais divergentes — otimismo nas negociações de paz e bombardeios onde anunciou que iria recuar —, o caos humanitário se ampliando na Ucrânia e países europeus movidos a gás russo cogitando racionar energia, Macron se prepara para apostar as fichas do seu futuro. Ao que tudo indica, com boas chances de ganhar.

Continua após a publicidade

Publicado em VEJA de 6 de abril de 2022, edição nº 2783

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.