Como o plano (astronômico) de gastos de Biden pode colocar os EUA em risco
Propostas do democrata podem chegar a US$ 11 trilhões em dez anos; especialistas dizem que aumentar déficit, mesmo com juros baixos, é perigoso
Faltando uma semana para as eleições nos Estados Unidos, marcadas para o dia 3 de novembro, a maior economia do mundo encontra-se em uma situação delicada. Devido à pandemia de coronavírus, o país enfrenta a pior recessão em 80 anos, com uma contração histórica de 32,9% do Produto Interno Bruto (PIB). Mais de 12,6 milhões de americanos estão desempregados, segundo o Departamento de Trabalho americano. O déficit orçamentário deste ano deve ultrapassar 17% do PIB, o maior desde a Segunda Guerra Mundial, devido aos esforços multimilionários para combater a Covid-19.
É neste contexto que Joe Biden, candidato democrata que desafia o atual presidente, Donald Trump, apresenta um plano orçamentário de 3,5 trilhões de dólares iniciais, que ainda pode se ampliar e chegar a um total de 6 a 11 trilhões de dólares em uma década.
Apesar de ser classificado como mais conservador que outros democratas – como o antigo adversário Bernie Sanders, que propunha um pacote de 16,3 trilhões de dólares somente para deter o aquecimento global –, seus planos para a próxima década incluem 2 trilhões de dólares para saúde, com a expansão do Affordable Care Act (Obamacare); 1,7 trilhão de dólares de investimento em energia limpa, para gerar empregos e zerar as emissões de carbono até 2030; 1,6 trilhão de dólares para a educação em todos os níveis; 500 bilhões de dólares em gastos com a Previdência Social; e muito mais.
O aumento das despesas é maior que os propostos pelos ex-candidatos democratas John Kerry, Barack Obama e Hillary Clinton juntos. Embora suas propostas sejam atraentes, economistas preocupam-se com as consequências dos gastos desenfreados.
“Investimentos opulentos podem ser prejudiciais a longo prazo. O déficit vai aumentar, as dívidas futuras serão taxadas a juros mais altos e uma parcela considerável do orçamento ficará comprometida”, diz James Heckman, economista da Universidade de Chicago e ganhador do Nobel da Economia em 2000.
De acordo com o Modelo de Orçamento Penn Wharton, um projeto de pesquisa da Universidade da Pensilvânia, as políticas fiscais de Biden acrescentariam pelo menos 2 trilhões de dólares aos déficits federais na próxima década – 24% do PIB até 2030.
“Taxar os ricos”
Para pagar pela farra monetária, a proposta é incrementar e criar novos impostos. O think tank Tax Foundation estima que as novas taxas podem totalizar 3,8 trilhões de dólares em 10 anos. A medida representaria o maior aumento permanente de impostos desde a Segunda Guerra Mundial.
Alguns exemplos incluem aumentar taxas sobre empresas de 21% para 28%, elevar a taxa máxima de imposto de renda para 39,6% (ante os atuais 37%), impor novos impostos sobre produtos farmacêuticos, bancos e imobiliárias e aumentar o imposto sobre a renda de famílias que ganham mais de 400.000 dólares por ano.
“As taxações farão com que os bens consumidos pela classe média, desde internet até medicamentos, tornem-se mais caros. Portanto, a campanha é um pouco desonesta ao garantir que apenas os ricos terão aumento de impostos”, diz Casey Mulligan, professor de economia da Universidade de Chicago.
O especialista, que atuou como economista-chefe do Conselho de Assessores Econômicos do governo Trump em 2019, completa que o aumento de impostos pode até ser direcionado para os super-ricos, mas é capaz de afetar uma série de pequenos negócios cuja renda ultrapassa o valor estipulado.
O argumento democrata
Nos últimos anos, a ala da esquerda do Partido Democrata e vários economistas proeminentes passaram a defender que o risco de criar déficits durante um período de baixo crescimento econômico é pequeno quando os juros sobre empréstimos estão baratos. De acordo com a Teoria Monetária Moderna, o mundo passa por um excesso de poupança (que gera essas taxas reduzidas), e um país com sua própria moeda pode aumentar os gastos desde que a inflação fique sob controle.
A crise do coronavírus gerou a necessidade de elevar investimentos federais, como um pacote de estímulo no valor de 3 trilhões de dólares aprovado no primeiro semestre. A novidade pode estimular democratas (e talvez republicanos) que preocupam-se com a dívida nacional a aderirem à teoria.
“Políticas anticíclicas, que guardam dinheiro nos momentos bons e gastam nos momentos ruins, são importantes para suavizar choques econômicos e promover o crescimento”, diz Gustavo Flores-Macías, professor de política econômica na Universidade Cornell. Para ele, a Grande Depressão de 1929 e a Recessão Global de 2008 ensinaram que crises não são momentos para cortar despesas públicas.
Flores-Macías completa que, embora os republicanos tenham a reputação de serem conservadores com planos fiscais, nas últimas administrações eles contribuíram para aumentar o déficit, enquanto o oposto é verdadeiro para os democratas.
Trump prometeu em 2016 pagar a dívida nacional em oito anos. Em vez disso, o déficit aumentou de 14,7 trilhões de dólares em 2017 para 16,8 trilhões de dólares em 2019, segundo o Escritório de Orçamento do Congresso.
Por outro lado, um grande boom ocorreu quando o presidente Bill Clinton aumentou os impostos em 1993. A direita afirmou que a Califórnia estava cometendo “suicídio econômico” em 2017, quando o ex-governador Jerry Brown elevou taxações. Porém, novamente, a economia cresceu.
A Moody’s Analytics, que analisa riscos financeiros, estima que, caso as políticas de Biden sejam adotadas ao invés das de Trump, o PIB deve crescer 4,5% até o final de 2024, com um acréscimo de 7 milhões de empregos. A Goldman Sachs, empresa de investment banking, tem previsões semelhantes: um ganho de 3,7% no PIB.
Com ou sem Teoria Monetária Moderna, Biden está apostando que as taxas de juros permanecerão baixas indefinidamente. O think tank de economia Manhattan Institute antecipa que o déficit dos Estados Unidos deve ultrapassar os 35 trilhões de dólares até 2030. Caso o democrata esteja errado, as consequências para os contribuintes e o crescimento econômico podem ser devastadoras.
“O plano de gastos de Donald Trump não é melhor, mas Biden carece de coesão, baseando-se no que apela aos eleitores. A discussão não está sendo gerada pela lógica, mas por tendências populistas em ambos os lados”, analisa o Nobel da Economia Heckman. Embora uma pesquisa do Pew Research Center mostre que economia é a prioridade número um dos eleitores, para ele, no geral, as consequências econômicas do voto não são compreendidas – nem quão incendiário pode ser adicionar 11 trilhões de dólares ao já existente déficit.
O número de promessas que seriam promulgadas sob a presidência do democrata depende muito, contudo, da composição partidária do Senado. O professor Flores-Macías destaca que se o Partido Democrata ganhar a maioria das cadeiras, planos de estímulo fiscal e assistência social mais ambiciosos devem ser a regra. “Mais democratas na casa legislativa também serão sinônimo de aumento no déficit federal”, completa.