‘Continuaremos lutando por meses a fio’, diz deputado de Hong Kong
Espancado nas manifestações, Lam Cheuk-ting se diz preocupado com interferência crescente de Pequim na ilha
As manifestações pró-democracia em Hong Kong chegam ao seu 12º fim de semana após uma escalada na tensão com o governo central da China. Nos últimos dias, Pequim elevou o tom de suas críticas aos manifestantes e aumentou o grau da ameaça ao posicionar forças de segurança próximas da fronteira com o centro financeiro. Em junho, um episódio de violência contra ativistas, jornalistas e civis em uma estação de trem já havia chamado a atenção para o clima cada vez mais quente na ilha e para a forma truculenta de agir das forças de segurança locais.
Lam Cheuk-ting é deputado pelo Partido Democrata desde 2016 e se feriu durante as cenas de agressão gratuita que chocaram Hong Kong na estação de Yuen Long, em 21 de junho, após um dia de atos públicos. Para este cientista social de 42 anos, a situação chegou a níveis tão extremos porque o governo de Hong Kong, ao se recusar a ouvir os desejos da população e reprimir as manifestações, escolheu “o caminho da luta”.
Em entrevista a VEJA, Lam falou sobre as razões que levam tantas pessoas aos protestos na ex-colônia britânica, o episódio de violência na estação de trem e o futuro de Hong Kong. O deputado também admitiu que não está otimista e teme ainda mais interferências chinesas.
Os protestos começaram pela insatisfação com um projeto de lei que visava a facilitar as extradições para a China continental, mas a medida foi suspensa. O que ainda leva as pessoas às ruas? O governo chinês cruzou a última linha que a população podia tolerar com essa lei. Mesmo após uma manifestação de 1 bilhão de pessoas, continuou a se recusar a ouvir o povo e demorou para suspender o projeto. A proposta foi abandonada por enquanto, mas ainda queremos um cancelamento total, uma mudança de governo, o fim dos processos judiciais contra os manifestantes detidos, mais autonomia e a possibilidade de eleger nosso próprio líder por sufrágio universal.
Alguns atos se tornaram violentos e grupos invadiram e vandalizaram prédios do governo. Isso é mesmo necessário? As ações dos manifestantes não chegam nem perto da violência que tem sido empregada pela polícia. O governo enviou uma mensagem aos jovens de que eles só serão ouvidos se usarem força e dessa forma indicaram o caminho da luta. As consequências agora estão nas mãos de Pequim.
Em 21 de junho, centenas de civis foram atacados em uma estação de trem por homens mascarados após uma manifestação. O que aconteceu? Soube que muitos jovens estavam sendo agredidos e decidi ir ao local depois de ligar para a polícia e alertá-los sobre o que estava acontecendo. Quando cheguei, testemunhei uma mulher sendo espancada na cabeça e mais de 100 homens armados com bastões, barras de ferro e garrafas de água. Quando tentamos escapar para dentro dos trens, eles nos seguiram. Eu fui espancado, fraturei a mão direita e levei 18 pontos na boca.
Quem foram os responsáveis pelo ataque? Tenho informações que sugerem que os agressores são gângster que foram encorajados pelo governo de Pequim. No dia do ataque, a polícia não tomou nenhuma ação para impedir a violência e ninguém foi preso. Eles deliberadamente deixaram os ataques acontecerem.
“Atacar civis de forma indiscriminada é totalmente vergonhoso e repugnante”
O senhor não teme sofrer retaliação por falar sobre esse assunto? Sim, tenho medo. Já recebi mensagens de ameaça contra minha vida e da minha família, mas acredito que é meu dever divulgar o que sei, pelo bem da minha comunidade. Atacar civis de forma indiscriminada é totalmente vergonhoso e repugnante.
Como tudo isso vai acabar? Não estou otimista, creio que Pequim tentará interferir ainda mais nas questões domésticas de Hong Kong a partir de agora. Mas a população continuará lutando e se manifestando por meses a fio, se for necessário.
O princípio “Um país, dois sistemas”, que garante certa autonomia à Hong Kong, como o direito de ter um Judiciário e leis próprias, deixou de fazer sentido para a população? O Partido Democrata, do qual faço parte, luta por democracia há mais de 20 anos. Apoiamos a implantação do sistema, mas o governo de Pequim vem falhando em entregar uma de suas principais promessas ao povo de Hong Kong, que é a de sufrágio universal. Elegemos metade dos membros do Conselho Legislativo, mas a outra metade ainda é decidida por sufrágio indireto, e também não podemos decidir sobre nosso chefe Executivo. O princípio é baseado na grande autonomia de Hong Kong, mas se não podemos eleger nossos próprios líderes não há sentido nenhum em estar nesse sistema.