A um mês antes da eleição presidencial dos Estados Unidos, o diagnóstico de Covid-19 de Donald Trump trará impactos de consequências imprevisíveis nas urnas. O presidente enfrentará uma guinada drástica na agenda de campanha, ficando excluído de comícios, debates e pronunciamentos.
Apesar da ameaça da doença para Trump – que, com 74 anos e acima do peso, está na categoria de alto risco, o cenário político pode ser positivo para o republicano. O segundo debate presidencial, marcado para o dia 15 de outubro, não deve acontecer presencialmente e, caso precise de repouso, o presidente pode escapar até de uma versão remota.
Segundo o jornal americano The New York Times, republicanos expressaram esperança de que saída de cena em um momento estratégico possa favorecer Trump, já que pesquisas conduzidas após o primeiro e caótico debate mostraram que os eleitores viram o democrata Joe Biden como vencedor. Seu silêncio pode fazer com que a eleição não seja, majoritariamente, um referendo sobre seu comportamento.
Ao mesmo tempo, o coronavírus pode aumentar a popularidade do candidato republicano por meio da empatia. Em 1981, a aprovação de Ronald Reagan cresceu 11 pontos percentuais após uma tentativa fracassada de assassinato durante seu primeiro mandato. E o premiê do Reino Unido, Boris Johnson, ganhou 17 pontos a mais de aprovação após seu próprio diagnóstico de Covid-19 em março, segundo levantamento da Ipsos.
Mas há ressalvas. O efeito tem tudo para ser limitado, já que Biden vem mantendo margem estável de 7 pontos percentuais desde que tornou-se candidato oficial.
A doença também neutraliza ataques do adversário contra ele. Qualquer crítica ou desejo do mal ao presidente será aproveitado pelos republicanos como um sinal de crueldade e oportunismo político. Biden terá que fazer alguns malabarismos, já que o coronavírus e a má gestão da pandemia são os focos da campanha democrata.
Por outro lado, o diagnóstico pode tornar-se imensamente prejudicial ao candidato à reeleição. Em primeiro lugar, a principal arma do Trump é aparecer em público. Apesar da ameaça contínua do vírus, ele aumentou a frequência de comícios e viagens nos últimos meses, enquanto procurava tranquilizar o país de que a luta contra o vírus estava sendo vencida.
Seus eventos são essenciais para entusiasmar eleitores e angariar dinheiro, diz a emissora Bloomberg. Em setembro, a campanha de Biden ultrapassou 365 milhões de dólares arrecadados, enquanto Trump continua mais de 150 milhões de dólares abaixo. A ideia de realizar mais encontros cara a cara para preencher essa lacuna – seu almoço em Nova Jersey, nesta quinta-feira 1, arrecadou 5 milhões de dólares – foi frustrada pelo teste positivo.
Contudo, o principal ponto negativo de seu diagnóstico para a campanha do republicano é que a pandemia de coronavírus volta aos holofotes com todas as forças, após repetidas tentativas do presidente de mudar o foco para assuntos mais interessantes a ele – o discurso da “lei e da ordem”, a nomeação de uma nova juíza à Suprema Corte ou a recuperação econômica.
“O coronavírus e a forma como o presidente está lidando com isso vão para o topo da agenda”, disse Chris Wallace, jornalista da Fox News que mediou o primeiro debate presidencial na terça-feira 29. “O sentimento geral da parte de algumas pessoas é que o presidente não foi cauteloso o suficiente e que Biden foi cauteloso demais. Isso vai ser um problema agora”, completou.
Trump ignorou orientações básicas de saúde, como o uso de máscaras, e sucessivamente questionou a ciência durante a resposta à pandemia. Uma pesquisa da Reuters, divulgada no início desta semana, mostra que apenas 41% dos eleitores aprovam sua gestão da pandemia.
Enquanto ações se desvalorizaram durante a madrugada desta sexta-feira 2, estrategistas democratas e republicanos disseram que o presidente enfrentaria um julgamento severo dos eleitores por colocar o país em maior incerteza após um dos anos mais difíceis da história americana.
A Fox News reportou que o caso do presidente de que o país está “virando a esquina” na batalha contra o surto e que é hora de reabrir a economia fica enfraquecido. Além disso, é provável que eleitores tenham mais dificuldade de minimizar a seriedade do vírus, caso ele desenvolva um quadro sério.
Segundo o Times, assessores de Trump reconheceram que o teste positivo lembraria os eleitores de sua indiferença, não apenas por negligenciar a segurança, mas também por suas avaliações excessivamente otimistas sobre uma pandemia que matou mais de 200.000 pessoas nos Estados Unidos.
Apesar de todas as especulações, os efeitos são difíceis de prever. Afinal, semanas antes da eleição de 2016, um vídeo em que Trump falava sobre agarrar órgãos genitais femininos viralizou – o famoso “grab her by the pussy”, do Access Hollywood –, sem que o candidato fosse prejudicado.
Ou seja, tudo pode acontecer.