Covid-19: internamente, OMS reclamou de demora da China em repassar dados
Registros obtidos por agência mostram insatisfação da entidade em janeiro, quando o surto começou a se espalhar pela Ásia
Embora elogiassem publicamente a postura do governo da China, internamente as autoridades da Organização Mundial da Saúde (OMS) desaprovavam a demora do país governado pelo presidente Xi Jinping em compartilhar dados sobre a disseminação da Covid-19 no território chinês. Registros de reuniões da organização internacional realizadas em janeiro foram divulgados pela agência Associated Press nesta terça-feira, 2.
“Estamos trabalhando com informações muito mínimas. Claramente não é o suficiente para se fazer um planejamento adequado”, disse a Dra. Maria Van Kerkhove, diretora do programa de Emergências de Doenças Infecciosas da OMS e epidemiologista que coordena a resposta técnica da organização à Covid-19, em uma reunião na segunda semana de janeiro.
Em um outro encontro ainda na segunda semana de janeiro, o Dr. Gauden Galea, representante da OMS na China disse que o governo chinês reteve informações da comunidade internacional até minutos antes de transmiti-las na televisão estatal chinesa, a CCTV. “No momento, estamos no estágio em que eles [a China] nos entregam [dados sobre a Covid-19] 15 minutos antes de aparecer no CCTV”, disse Galea.
Embora a legislação internacional indique que os governos devam repassar à OMS toda e qualquer informação que possa impactar a saúde pública mundial, a agência da ONU não tem poderes para obrigar que dados sejam compartilhados. A OMS conta apenas com a cooperação de seus membros.
Em resposta à reticência das autoridades chinesas, o diretor da OMS para Emergências Sanitárias, Dr. Mike Ryan, demandou também na segunda semana de janeiro uma “mudança de marcha” para evitar um cenário semelhante ao da epidemia de SARS, que também teve origem na China, em 2003. “Este é exatamente o mesmo cenário, tentando incessantemente receber atualizações da China sobre o que estava acontecendo”, disse Ryan.
“A OMS saiu por pouco dessa [a epidemia de Sars de 2003] com o pescoço intacto, dados os problemas que surgiram em torno da transparência no sul da China”, acrescentou em referência à província chinesa de Guangdong, onde os primeiros casos haviam sido registrados em 2002.
Ao final da epidemia de Sars em 2003, a OMS contabilizou 26 países atingidos e mais de 8.000 enfermos, equivalente a cerca de 0,13% do número de casos da Covid-19 reportados à entidade internacional até a segunda-feira 1º.
Início da pandemia
O governo da China primeiro anunciou a existência de um novo coronavírus em 9 de janeiro, mas alegou que o agente não era contagioso. As autoridades voltaram atrás na decisão, e confirmaram que o vírus era contagioso apenas em 20 de janeiro, três dias antes de ser decretado o lockdown na cidade de Wuhan, onde os primeiros casos foram reportados.
Segundo o jornal britânico The Guardian, às vésperas do decreto de lockdown em Wuhan, pelo menos 5 milhões de moradores da metrópole haviam saído da cidade em viagem para celebrar o Ano Novo Lunar chinês, ocorrido em 25 de janeiro.
Casos explícitos de contenção por parte das autoridades chinesas de dados sobre a Covid-19 na China são alvo de críticas da comunidade e da imprensa internacional.
Embora, por exemplo, a primeira vítima fatal da Covid-19 de que se tenha registro até esta terça-feira tenha morrido em Wuhan em 9 de janeiro, a China divulgou a morte apenas dois dias depois.
Além desse caso, o governo chinês manteve em sigilo a codificação do gene do Sars-Cov-2, o vírus causador da Covid-19, por seis dias até 11 de janeiro, quando um laboratório em Shanghai revelou a informação sem a autorização do governo central. O laboratório de Shanghai, então, foi temporariamente fechado pelo governo no dia seguinte por “retificação”.