Mesmo com foro privilegiado e ilesa da prisão preventiva que atingiu seus aliados, a ex-presidente argentina poderá ser julgada por obstrução de Justiça em 2019.
O futuro da atual senadora Cristina Fernández de Kirchner promete não ser nada fácil nem previsível. Desde o final de 2017, o “espectro” do procurador público Alberto Nisman vem assombrando a vida jurídica da ex-presidente da Argentina e paira sobre ela a ameaça de chegar ao banco dos réus.
Em dezembro, o juiz Claudio Bonadio reabriu uma grave denúncia contra Cristina que Nisman apresentaria em 19 de janeiro de 2015. Nisman antecipou dias antes que a ex-presidente montara um esquema criminoso para proteger os responsáveis pelo atentado na sede da Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 1994. A explosão vitimou 85 pessoas.
Na véspera da entrega da denúncia, Nisman foi encontrado morto, com um tiro na cabeça, no banheiro de seu apartamento em Puerto Madero, em Buenos Aires.
A reabertura do caso por Bonadio incluiu a prisão preventiva dos acusados de crime de obstrução à Justiça no processo sobre o atentado contra a Amia, entre os quais Cristina. A Câmara Federal argentina, no entanto, não aprovou a prisão da ex-presidente.
Bonadio ainda acrescentou no processo contra a acusação de Cristina por traição à Pátria. Mas a acusação foi eliminada, com base no entendimento de que a Argentina precisaria estar em guerra com o Irã para que um crime de traição fosse cometido. A Câmara Federal aceitou apenas o indiciamento de Cristina pelos delitos de acobertamento e obstrução da Justiça.
O juíz Bonadio conseguiu efetivar as prisões de Cláudio Zanini, candidato à vice-presidência em 2015 pelo partido de Cristina, do sindicalista Luis D’Elia e do ex-chanceler Héctor Timerman. Zanini e D’Elia ficaram detidos por pouco mais de três meses no presídio de Ezeiza. Timerman cumpriu prisão domiciliar devido a sua saúde frágil. Todos foram soltos em março para aguardar o julgamento em liberdade.
A denúncia preparada por Nisman dizia ter sido arquitetado um plano criminoso para ajudar os responsáveis pelo atentado à Amia a permanecerem impunes. Segundo o documento, o plano incluiu a assinatura de um memorando de entendimento entre a Argentina e o Irã, país do qual provinham os principais suspeitos de cometer o crime.
O memorando fora assinado durante o segundo mandato de Cristina, em 2013. O acordo com o Irã permitiria a suspensão dos alertas vermelhos para a Interpol prender os suspeitos.
No parecer de Nisman, o acordo atrasou ou suspendeu as restrições de liberdade dos acusados. Também permitiu a criação de uma “Comissão da Verdade”, cujo objetivo explícito seria inocentar os iranianos por meio da fabricação de novas hipóteses sobre o atentado de 1994.
Dólar Futuro
Cristina deve enfrentar os tribunais pelo menos duas vezes em 2019: por administração fraudulenta em prejuízo público na compra e venda de dólar, o escândalo “Dólar Futuro“, e por desvio de verbas de uma obra pública na província de Santa Cruz em favor de empresas de um ex-funcionário de seu governo, Lázaro Báez.
Sua prisão, porém, parece pouco provável. Apesar de haver outras cinco denúncias contra a ex-presidente, autoridades do atual governo duvidam que ela perca o foro privilegiado ou seu mandato no Senado.
“Não me consta que os argumentos para a prisão preventiva estejam de acordo”, afirmou Waldo Wolff, deputado governista e ex-vice-presidente da DAIA, associação judaica que atua em conjunto com a Amia.
Logo depois de Bonadio ter emitido seu pedido de prisão preventiva, Wolff declarou que não votaria pelo fim do foro privilegiado da senadora. O presidente Maurício Macri, ferrenho opositor de sua antecessora, pediu prudência quanto à decisão.
Para o analista político Leandro Morgenfeld, Cristina na cadeia poderia trazer mais problemas que soluções para o atual governo. Apesar de ter perdido parte de sua popularidade e de seu partido não ter alcançado o desempenho esperado nas eleições legislativas, no final de 2017, ela continua a ser uma das maiores forças da oposição.
“Paradoxalmente, especula-se que Cristina Kirchner em liberdade represente um obstáculo para a unidade do peronismo, e isso pode favorecer a reeleição de Macri. A justiça argentina é muito permeável às pressões políticas”, avalia Morgenfeld.
“O governo atua em favor da prisão de kirchneristas. Mas, por enquanto, prefere deixar Cristina livre para evitar uma convulsão social “.