No segundo inverno da guerra, os ucranianos olham em volta e só veem desolação, resultado de um ano de poucos avanços na reconquista do território ocupado pela Rússia e de nítida desidratação do apoio internacional ao seu esforço para encostar na parede o inimigo muito mais forte. Uma esperada contraofensiva decisiva, reforçada pela chegada à linha de frente de alguns dos mais poderosos armamentos já fornecidos por Estados Unidos e outros aliados, com o objetivo de retomar cidades e abrir uma brecha na faixa controlada pelos russos ao longo de toda a fronteira, não deu certo. No país devastado, a estagnação bélica provocou ondas de choque entre o presidente Volodymyr Zelensky e o alto comando militar, que já teve alguns integrantes removidos. O Kremlin reforçou sua posição defensiva e despachou levas e levas de soldados para o front, uma estratégia de elevada mortalidade, mas que segurou o avanço ucraniano. Os combates encarniçados e inconclusivos e a perda de equipamentos, veículos e armamentos vindos do Ocidente minaram a aliança de Estados Unidos e Europa em favor da Ucrânia. O maior golpe partiu de Washington, onde os republicanos fecharam questão contra a aprovação no Congresso de mais ajuda financeira para Kiev e barram todos os pedidos do governo de Joe Biden nesse sentido.
Do lado russo, Vladimir Putin segue inabalável no poder, depois de uma surpreendente e quase cômica tentativa de golpe por parte do grupo de mercenários Wagner, até então um sustentáculo na linha de combate. A revolta foi suprimida em um dia e o assunto encerrado quando o líder do Wagner, Yevgeny Prigozhin, morreu em um misterioso acidente de avião. Com a economia funcionando, apesar das sanções, centenas de milhares de reservistas a postos e uma outra guerra, no Oriente Médio, desviando recursos e atenção, Putin parece mais próximo de alcançar o objetivo que se impôs desde que percebeu que a invasão da Ucrânia não seria o passeio como que imaginava: esperar o outro lado piscar primeiro e impor condições na mesa de negociação. Ruim para quem queria a Ucrânia inteira. Mas melhor do que nada.
Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2023, edição nº 2873