Mesmo sem o audio, o discurso do deputado chavista Pedro Carreño na cidade venezuelana de La Guajira na quinta-feira 22 é impactante. Leal a Nicolás Maduro, o ex-militar subiu no palco vestido com a camisa vermelha, símbolo do chavismo, e com um fuzil no ombro.
Com o audio ligado, o impacto é ainda maior. Carreño distorceu os fatos e, com recurso a palavrões, culpou um suposto “bloqueio internacional” ao ingresso de medicamentos e alimentos doados a seu país. Também criticoua pressão dos Estados Unidos sobre o governo de Maduro, acentuada pelas sanções contra a estatal petroleira PDVSA.
“Encham o saco de quem queira, imperialismo, porque aqui há um povo de pé, um povo acordado”, afirmou Carreño.
A presença de Carreño com o fuzil bem à mostra em um comício em favor do regime de Maduro é o reflexo do elevado grau de civis armados na sociedade venezuelana. Desde os tempos de Hugo Chávez, presidente da Venezuela entre 1999 e 2013, o regime se valeu da criação de milícias civis para resguardar sua sobrevivência. Essas milícias estão subordinadas ao comando da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) e constituem uma reserva de 1,6 milhão de civis armados e ideologicamente afinados ao regime. Costumam atuar à paisana, em motocicletas, durante as manifestações contrárias do governo de Maduro e no controle de comunidades. Nem sempre aguardam ordens de militares para entrar em ação.
A FANB, com contingente de 123 mil militares disciplinados, também foi consolidada sob o comando de Chávez. O ex-presidente passara o setor militar por um expurgo, depois da tentativa de golpe de 2002, cercou-se de generais leis e do apoio de militares de alta patente enviados por Havana. À FANB foi incorporada a Guarda Nacional Bolivaria (GNB), uma espécie de tropa de choque militar que atua frequentemente como força repressora contra as manifestações da oposição, e a Polícia Nacional Bolivariana (PNB).
Maduro, por sua vez, criou a Força de Ações Especiais (Faes), apontada como uma espécie de esquadrão da morte da FANB por organismos de defesa dos direitos humanos. A esse contingente de policias encapuzados são atribuídas 4.998 mortes em 2017.
A estrutura militar e paramilitar da Venezuela ainda leal a Maduro é o fator que explica a posse desse líder em seu terceiro mandato, em 10 de janeiro, apesar dos apelos internacionais para que desistisse. O pleito que o reelegeu, em maio de 2018, foi considerado fraudado. Também explica a resistência de Maduro em renunciar, como quer a oposição venezuelana, com o apoio dos Estados Unidos, dos países do Grupo de Lima, entre os quais o Brasil, e outras Nações.
Por essa razão, Juan Guaidó, autoproclamado presidente interino da Venezuela, insistente tanto em conquistar o apoio dos militares. Para os uniformizados, ele oferece anistia. Mas apenas aos que não tenham em suas costas crimes contra os direitos humanos eenvolvimento no crime organizado e em esquemas de corrupção. Essa é a limitação para uma possível virada de casaca de oficiais de alta patente.