Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99
Continua após publicidade

Diplomatas chineses cutucam governos mundo afora e afiam as garras

A regra de Pequim sempre foi priorizar a discrição; os sinais de mudança podem ser sentidos até no Brasil

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h59 - Publicado em 29 ago 2021, 08h00

Durante a primeira cúpula entre Estados Unidos e China após a posse de Joe Biden, em março, no Alasca, o tom subiu. Diante das cobranças do secretário de Estado americano, Antony Blinken, por mais democracia em Hong Kong e Taiwan e melhor tratamento das minorias na China, o ministro das Relações Exteriores chinês, Wang Yi, sugeriu, sem meias-palavras, que a Casa Branca desistisse de “impor sua ideia de democracia” pelo mundo e voltasse os olhos para seus próprios “profundos problemas” em relação aos direitos humanos, entre eles o racismo. A fala de Blinken estava dentro dos padrões de assertividade e jogo duro da diplomacia americana, mas a disposição chinesa de se engajar em um bate-­boca de quase uma hora diante da imprensa causou surpresa, visto que a regra de Pequim sempre foi priorizar a discrição e preferir as insinuações sutis nos embates verbais. A troca de acusações evidenciou uma mudança na política internacional do presidente Xi Jinping: firme no propósito de fortalecer a imagem da China potência e rebater provocações estrangeiras, ele está optando por uma diplomacia belicosa, pautada por ataques principalmente via redes sociais.

A estratégia está presente nos comunicados diários emitidos pelo Ministério de Relações Exteriores e nas falas dos embaixadores que representam o país ao redor do mundo — e o Brasil já sentiu o gostinho nos seguidos choques entre o enviado chinês em Brasília, Yang Wanming, e o clã Bolsonaro. A manifestação oriental mais recente foi a indicação de um duro crítico do Ocidente, Qin Gang, para o comando da Embaixada da China em Washington. Os novos diplomatas de Pequim não deixam provocação sem resposta, no estilo “lobos guerreiros” — referência ao título de uma série de filmes sobre soldados das forças especiais que combatem mercenários estrangeiros que bateu recordes de bilheteria na China entre 2015 e 2017. “Quem ofender a nação chinesa será punido, não importa a distância do agressor”, diz um dos personagens do blockbuster patriota, verbalizando o conceito adotado pela diplomacia do Partido Comunista.

Indo além da linguagem forte e das ameaças veladas, os diplomatas chineses apostam na força das redes sociais para passar recados e, às vezes, propagar notícias falsas e teorias conspiratórias sobre países rivais. O Executivo francês já convocou duas vezes este ano o representante da China para prestar explicações sobre sua conduta na internet. Lu Shaye costuma responder em seus perfis às denúncias de abusos de direitos de Pequim contra a minoria muçulmana uigur feitas pela União Europeia e chegou a compartilhar um artigo falso que acusava o sistema de saúde do presidente Emmanuel Macron de abandonar idosos com Covid-19, além de se referir a um analista politico local como “bandido mesquinho” e “hiena enlouquecida”. No Brasil, a linguagem de Yang Wanming causa desconforto não só no governo — que já pediu duas vezes sua substituição —, mas até nas outras representações diplomáticas. Depois de trocar farpas com os filhos de Bolsonaro, Yang comemorou com ironia a prisão do ex-­deputado aliado do presidente, Roberto Jefferson: “Lindo dia para todos”, postou no Twitter. “Em nossos genes, não há traços agressivos ou hegemônicos”, afirmou a VEJA o ministro-conselheiro da embaixada em Brasília, Qu Yuhui.

LOBOS - Yang, embaixador em Brasília, e Qin Gang, em Washington: metralhadoras verbais -
LOBOS - Yang, embaixador em Brasília, e Qin Gang, em Washington: metralhadoras verbais – (Romulo Serpa/Agência CNJ/CNS/AFP)

Essa forma assertiva de os corteses chineses lidarem com as relações internacionais causa espanto no Ocidente, por contrastar com o tom mais moderado e construtivo instituído na era Deng Xiaoping, o líder chinês entre 1978 e 1992. “Durante a liderança Mao Tse-tung, o país nutriu relações muito ruins com seus vizinhos, mas com a abertura promovida por seu sucessor Deng Xiaoping adotou-se uma forma de diálogo moderada e construtiva”, diz Roberto Abdenur, ex-embaixador e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Por trás dos “lobos guerreiros” da diplomacia atual está Zhao Lijian, raivoso porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros que se tornou figura de grande influência junto a Xi. Em novembro passado, Zhao publicou a imagem — evidentemente falsa — de um soldado australiano esfaqueando uma criança afegã, em clara provocação ao primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, de relações cortadas com a China há quase um ano. Pouco tempo depois, em um sinal de aceitação das táticas de Zhao, a Academia de Ciências Sociais, um grupo de estudos semioficial, divulgou uma série de documentos estratégicos sobre a necessidade de “fortalecer a capacidade de lutar pela opinião pública internacional” e “contra-atacar” críticas nas redes.

Em Washington, prevê-se que a presença do embaixador Qin Gang, no cargo há menos de um mês, suba o tom da guerra surda entre Estados Unidos e China. “A relação entre as duas potências se tornou mais complexa porque, em vez da metralhadora indiscriminada de Donald Trump, o presidente Biden toca em temas como democracia e direitos humanos”, avalia o ex-­embaixador e conselheiro consultivo internacional do Cebri Marcos Caramuru. A primeira grande missão de Qin é preparar o terreno para o encontro cara a cara entre Biden e Xi durante a reunião do G20 na Itália, em outubro. “A agressividade dos chineses, ao mesmo tempo que expõe sua força crescente, também aliena possíveis parcerias, o que pode ser prejudicial”, lembra Robert Sutter, da Universidade George Washington. Nessas horas, o pragmatismo e a delicadeza da diplomacia tradicional deverão fazer falta.

Publicado em VEJA de 1 de setembro de 2021, edição nº 2753

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.