O formigueiro humano que serpenteava a tão visada fronteira entre México e Estados Unidos no domingo 11 cravou um recorde histórico em um drama humanitário que não cessa de produzir números espetaculares: 1 500 pessoas atravessaram a pé o Rio Grande, na altura do Texas, fugindo da pobreza que assola seus países, a maioria nesse caso egressa da Nicarágua, na esperança de embalar no sonho americano. Nunca tanta gente havia feito tal travessia em um único dia, somando-se aos 2,4 milhões que percorreram a trilha americana neste ano — outra marca inédita. Este é o retrato de um dos grandes imbróglios enfrentados pelo presidente Joe Biden, que fez campanha acenando que trataria a questão migratória sem a postura linha-duríssima do antecessor, Donald Trump, autor do muro estampado na foto. Em meio à pandemia, Trump baixou uma resolução conhecida como Título 42, que permite a deportação imediata alegando a necessidade de frear a propagação do vírus. Pois Biden, ao contrário do que se esperava — tanto pela pregação humanitária quanto pelo arrefecimento da Covid —, já estendeu uma vez a medida e agora briga na Justiça por mais uma renovação, já que ela expira na próxima semana. A multidão que se amontoa na fronteira vive justamente a expectativa de poder cruzá-la sem o risco de ser despachada de volta, apostando que Biden perderá a contenda judicial. Em qualquer cenário, o governo terá de encontrar não apenas um paliativo, como a inócua iniciativa de enviar verbas a países de onde as pessoas debandam, mas uma via eficiente para lidar com as crescentes levas de imigrantes em busca do eldorado.
Publicado em VEJA de 21 de dezembro de 2022, edição nº 2820