Duque de Windsor colaborou ativamente com os nazistas, mostram documentos
Registros inéditos revelam segredos de guerra e apontam até que Edward VIII apoiou bombardeios em Londres
Quando abdicou do trono do Reino Unido em 1936, apenas 326 dias após ser coroado, Edward VIII ocupava o centro das conversas ao pé do ouvido da alta sociedade britânica por dois motivos. Um, o mais comentado, era seu romance proibido com a triplamente pecadora socialite Wallis Simpson — plebeia, americana e um divórcio, caminhando para o segundo. Outro, a aberta simpatia pelo chanceler alemão Adolf Hitler, que àquela altura já afiava as garras para dominar a Europa. Edward cedeu a coroa ao irmão, George VI, pai da rainha Elizabeth, casou-se com Wallis e, como duque e duquesa de Windsor, o casal se instalou em Paris. No exílio forçado, ele continuou em contato com figurões da Alemanha nazista — uma relação que, sabe-se agora, foi além da afinidade ideológica. Documentos revelados pelo historiador Andrew Lownie vieram comprovar que o duque de Windsor teve atuação concreta e decisiva na II Guerra, repassando aos nazistas informações cruciais sobre as falhas da defesa da França pouco antes de o país ser invadido por tropas alemãs, em 1940. E mais: encorajou uma trama alemã para levá-lo de volta ao trono que passava pelos bombardeios que, entre 1940 e 1941, mataram 43 000 pessoas na Inglaterra.
Ótima impressão
Trecho da carta (em alemão) de Edward ao Führer, após ser recebido em grande estilo
“Ao deixar a Alemanha, a duquesa e eu agradecemos sinceramente pela grande hospitalidade que nos concedeu e pelas muitas oportunidades de ver o que está sendo feito para o bem-estar dos trabalhadores alemães.”
A proximidade entre os duques de Windsor e o alto escalão nazista culminou com uma visita a Berlim, em 1937, quando foram recebidos com pompa. Os dois jantaram com Hermann Göring, ministro do Interior do Reich, e Joseph Goebbels, responsável pela máquina de propaganda, além de passar uma temporada em Berghof, refúgio de Hitler nos Alpes da Bavária. Agradecido, o duque escreveu uma carta — em alemão — cheia de rapapés ao anfitrião. Posteriormente, em um livro de memórias, Edward tentaria se distanciar de Hitler, definindo-o como “uma figura ridícula, com suas posturas teatrais e suas pretensões bombásticas”. Não convenceu ninguém — a apologia do regime nazista permaneceu para sempre pregada à sua imagem, e com razão, como mostram os documentos trazidos à tona por Lownie. Parte dos papéis permaneceu adormecida nos escaninhos do Arquivo Real, uma torre fechada a sete chaves no Castelo de Windsor que teve recentemente o acesso facilitado a profissionais. O historiador também pesquisou arquivos em Portugal e na Espanha, reunindo o material destrinchado no documentário Edward VIII: Britain’s Traitor King (Edward VIII: o rei traidor do Reino Unido), exibido no fim de março, e em livro previsto para chegar às livrarias em maio. “Os documentos mostram que Edward VIII atuou ativamente para favorecer a Alemanha”, diz Lownie.
Ao abdicar, Edward manteve sua patente militar, e nessa condição foi convidado pelo governo francês a inspecionar sua linha de defesa. Escreveu quatro relatórios apontando problemas como falta de liderança e baixo moral da tropa em certos pontos. Os ingleses não deram atenção, mas, como mostra uma correspondência do embaixador alemão em Haia em 1940, o duque repassou as informações a Charles Bedaux, conhecido colaboracionista franco-americano que, inclusive, havia patrocinado sua visita a Hitler. Os dados contribuíram para o ataque cirúrgico com o qual, em 10 de maio de 1940, a Alemanha pulverizou a defesa francesa e ocupou Paris. Edward e Wallis se transferiram para Portugal salazarista, país “neutro” que, como a franquista Espanha, compactuava com os nazistas. Telegramas a que Lownie teve acesso mostram que os diplomatas alemães em Lisboa citavam Edward com frequência. Em um dos trechos, comenta-se que o duque havia sugerido a outro diplomata, o espanhol Javier Bermejillo, que a Alemanha deveria bombardear a Inglaterra “porque isso deixaria Londres pronta para assinar um acordo de paz”. “Edward sabia que Franco repassaria as informações a Berlim”, afirma a historiadora alemã Karina Urbach, estudiosa do período nazista.
O apoio ao bombardeio, traição maior de Edward dentro de sua própria casa, sugere que o duque tinha, sim, conhecimento da chamada Operação Willie, plano alemão para recolocá-lo no trono à frente de um governo marionete afinado com o Eixo. Em 7 de setembro de 1940, os alemães começaram a bombardear Londres, atingindo inclusive o Palácio de Buckingham. “Havia muito se suspeitava que o duque tinha contribuído para o esforço de guerra nazista, mas faltavam provas de traição intencional”, afirma Ed Owens, historiador especializado em monarquia. Parte do quebra-cabeça já havia vindo à tona nos estertores da II Guerra, quando arquivos do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha foram descobertos no Castelo de Marburg. Na papelada, uma seção especial, o “Arquivo Windsor”, relatava que o ministro Joachim von Ribbentrop organizara um encontro de autoridades nazistas com o casal e, na ocasião, Edward e Wallis expressaram profundo descontentamento com a família real e o primeiro-ministro Winston Churchill.
Para evitar danos maiores, Churchill nomeou o duque governador das Bahamas em 1940, sob ameaça de corte marcial caso desobedecesse. Telegramas alemães também revelados agora mostram que, ao chegar ao Caribe, Edward mandou uma mensagem codificada ao banqueiro português Ricardo Espírito Santo reiterando sua disposição de “voltar para a Europa” — no caso, ao trono britânico. O casal permaneceu na ilha até o fim da II Guerra, muito a contragosto. O duque a considerava uma colônia de terceira classe e atribuiu uma revolta popular em Nassau, em 1942, a “agitadores comunistas e judeus”. Encerrado o conflito, o governo e o Palácio de Buckingham decidiram arquivar os documentos incriminadores e pôr uma pedra no assunto. Oito décadas depois, a verdade veio à tona, transformando o que era suspeita em certeza concreta: durante a guerra, o casal amigo de Hitler traiu, espionou e colaborou com o inimigo de seu próprio país.
Publicado em VEJA de 13 de abril de 2022, edição nº 2784