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‘Ele é nosso Rei Leão’: como a Fox virou máquina de propaganda de Trump

Rede praticamente transformou-se em uma 'TV estatal', com âncoras e comentaristas favorecendo o presidente com disseminação de desinformação

Por Amanda Péchy Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 20 out 2020, 08h01

A Fox News sempre foi uma rede de notícias partidária. Criada em 1996, mostrou-se infinitamente mais amigável com George Bush do que com Barack Obama. Desde que Donald Trump assumiu a presidência em 2017, contudo, a rede praticamente transformou-se em um braço de sua administração, influenciando profundamente a sociedade americana.

Bret Baier, um dos principais âncoras da Fox, disse que “dói” saber que o canal se tornou uma “TV estatal” para o governo Trump. A organização sem fins lucrativos Media Matters, que pesquisa desinformação nos Estados Unidos, descreveu alguns apresentadores como “propagandistas pessoais” do presidente.

“Grande parte da presidência de Trump foi uma mitologia baseada na desinformação. A Fox News desempenhou um papel fundamental na disseminação dessa desinformação”, diz Jean-Pierre Dubé, professor de ciências do Marketing da Universidade de Chicago.

Um ex-funcionário da rede, segundo reportagem do jornal The Daily Beast, disse que seus dirigentes não estão interessados ​​em fatos. “Eles estão decididos a veicular histórias que incluam Blue Lives Matter [Vidas dos Policiais Importam], qualquer coisa relacionada à antifa, impactos negativos dos protestos do Black Lives Matter [Vidas Negras Importam] que coloquem manifestantes em uma luz negativa, supostas ameaças ao cristianismo e qualquer apoiador de Trump injustiçado”. A opinião foi ecoada por seus ex-colegas.

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A pandemia de coronavírus é um forte exemplo da prática. Desde o início de fevereiro, a Fox News repetidamente minimizou os riscos da Covid-19, reiterando o discurso do republicano. No dia 13 de março (quando Trump declarou emergência nacional), a apresentadora do talk show Fox & Friends Ainsley Earhardt declarou que era “o momento mais seguro para voar”. Mais recentemente, depois que o presidente contraiu a Covid-19, a jornalista Laura Ingraham disse que “o fato de que levou tanto tempo para ele testar positivo deve ser tranquilizador para as pessoas”.

Mas a desinformação é de longa data: a Fox já havia dito que foi a Ucrânia (e não a Rússia) que interferiu nas eleições de 2016, na tentativa de proteger Trump durante investigações sobre sua relação com o presidente Vladimir Putin.

Da parte do presidente, os veículos que cobrem a Casa Branca de forma crítica são taxados de “fake news“, enquanto os que reforçam sua agenda são recompensados com retuítes. Ele não vê a Fox como um canal de notícias independente, mas como uma rede dedicada ao sucesso eleitoral do Partido Republicano: em maio, criticou o canal por “não fazer nada para ajudar os republicanos e eu sermos reeleitos em 3 de novembro”.

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O líder americano é um espectador assíduo da Fox News. Compartilha suas notícias no Twitter quase todos os dias, concede maioria de suas entrevistas à rede e líderes mundiais usam o canal para comunicar-se com Trump. Para completar, o antigo diretor de comunicações do presidente, Bill Shine, é ex-copresidente da Fox News. 

Além disso, Trump tem laços estreitos com comentaristas e âncoras como Sean Hannity, Lou Dobbs e Jeanine Pirro, e conta com os apresentadores do Fox & Friends como três de seus conselheiros mais próximos. A Media Matters identificou que jornalistas-estrela como Tucker Carlson e Laura Ingraham usaram seus programas para divulgar temas “nacionalistas brancos” para grandes públicos.

“Essas relações são diferentes de tudo que já vimos”, diz Francesca Polletta, professora de Sociologia da Universidade da Califórnia. “Trump é um produto do reality show e usa com eficácia o hibridismo entre notícia e entretenimento que caracteriza o noticiário televisivo hoje”, completa.

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A situação já preocupante torna-se ainda mais sensível na véspera de eleições, marcadas para o dia 3 de novembro. Sobretudo, porque a “TV estatal” de Trump é o canal mais poderoso do país, conquistando mais telespectadores do que CNN e MSNBC juntas. E embora as opiniões sobre a Fox sejam bastante polarizadas, um estudo recente do Pew Research Center mostra que 43% do total de adultos confiam na rede – o número aumenta para 65% quando falando-se de republicanos.

Para Polletta, a Fox News promove uma narrativa populista sobre uma suposta elite de liberais que tentam empurrar sua agenda goela abaixo dos “americanos comuns”, tornando-se o único meio convencional de comunicação onde espectadores podem validar suas opiniões controversas. “Somado a isso, seu jornalismo é chamativo, divertido e semelhante ao de tabloide dificultando a distinção entre fato e opinião”, completa. O mecanismo intensifica o efeito da máquina de propaganda.

Por exemplo, de acordo com o Pew Research Center, 61% dos republicanos que só consomem programas da Fox dizem que a fraude de votos por correspondência “é um grande problema” – narrativa defendida por Trump para desqualificar o resultado das eleições, apesar de ter votado pelo correio no mês passado.

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Este ano, com um aumento do uso do correio devido à pandemia, o resultado final pode demorar dias, sendo que o presidente já disse que não fará uma transição pacífica de poder caso perca. Muitos se preocupam com a contagem de votos em swing states, como Flórida, Pensilvânia e Wisconsin, que podem favorecer o presidente na noite de eleição e, com a chegada dos votos a distância, eventualmente tornar seu adversário, o democrata Joe Biden, vitorioso.

A responsabilidade da Fox News é se recusar a anunciar os resultados antes da contagem das cédulas. “A integridade de nossa mesa de decisão é sólida como uma rocha”, disse em comunicado. Contudo, a rede anunciou o resultado da corrida de 2000 logo após as 2 da manhã, com dados incompletos, enquanto o colaborador da Fox Karl Rove recusou-se a aceitar a reeleição de Obama em 2012.

“Suspeito que os americanos ficarão grudados em seus aparelhos de TV nesta noite de eleições, em grande parte com medo do resultado”, declara o professor Dubé. “Independentemente de quem vença a eleição, existe uma forte possibilidade de que o caos resulte, a menos que tenhamos uma vitória esmagadora”.

No dia 3 de novembro, a forma como a rede vai enquadrar a história pode amplificar ou aliviar o caos nacional. Por exemplo, durante os debates dos pré-candidatos republicanos à presidência em 2015, a ex-âncora Megyn Kelly desafiou a linha ideológica da emissora para questionar Trump sobre seu desrespeito às mulheres. Desde então, ele ataca a jornalista. 

A mudança de eixo de Megyn levou-a a juntar-se com a colega Gretchen Carlson para, mais tarde, denunciar o chefe executivo da Fox, Roger Ailes, por abusos sexuais. O acúmulo de denúncias, que ganharam caráter cada vez mais sórdido, é narrado no filme “O Escândalo”, estrelado por Nicole Kidman, Charlize Theron e Margot Robbie.

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