A Justiça da Alemanha condenou nesta quarta-feira, 24, um agente do regime sírio por crimes de guerra e contra a humanidade, no primeiro julgamento de pessoas ligadas ao governo do presidente da Síria, Bashar Al-Assad. O ex-oficial de inteligência Eyad al-Gharib recebeu uma pena de quatro anos e meio de prisão.
Segundo os promotores, Gharib agrediu e supervisionou a detenção de 30 manifestantes contra o governo, mesmo consciente da tortura sistemática na prisão para a qual eram enviados. O ex-oficial foi preso em Berlim em fevereiro de 2019, junto ao coronel Anwar Raslan, sob o princípio da jurisdição universal (crimes graves contra o direito internacional podem ser julgados mesmo em países onde não foram cometidos).
Raslan, ex-oficial de inteligência de alto escalão, ainda está sendo julgado. Ele é acusado de supervisionar a tortura de pelo menos 4.000 prisioneiros durante o levante da Síria em 2011. Pelo menos 58 dos presos morreram; estupro e agressão sexual supostamente ocorreram em pelo menos um caso.
O governo de Assad foi repetidamente acusado de crimes de guerra e crimes contra a humanidade durante o conflito de quase uma década no país. As autoridades sírias negaram todas as alegações, dizendo que agem contra terroristas, e não manifestantes pacíficos.
A Comissão para a Justiça e Responsabilidade Internacional (Cija), que forneceu documentos usados pela acusação na Alemanha, classificou o veredicto como “histórico”. Desde 2012, o órgão coleta evidências contra o governo sírio com a ajuda de “caçadores de documentos”, que contrabandeiam dados do governo para fora das zonas de guerra do país.
O grupo de direitos humanos Anistia Internacional afirmou que mais países deveriam seguir o exemplo da Alemanha, com objetivo de combater crimes de guerra sob o princípio da jurisdição universal.
O advogado sírio de direitos humanos Anwar al-Bunni, envolvido no julgamento inédito, chamou a decisão de “uma mensagem a todos os criminosos que ainda cometem os crimes mais horríveis na Síria e para lembrá-los de que o tempo de impunidade foi passou, e não há lugar seguro para onde fugir.”
Alemães se manifestaram em frente ao tribunal da cidade de Koblenz. Segundo a descendente de sírios Serda Alshehabi, seu pai foi torturado pelo regime de Assad e está preso na Síria desde 2012.
Desde 1970, a família Assad comanda no país um regime de partido único. Com a Primavera Árabe em 2011, muçulmanos sunitas tomaram a frente na oposição ao regime, o que deu ao conflito contornos sectários. Além do Exército Livre da Síria, forças extremistas como o Estado Islâmico escalaram a guerra civil.
O conflito já provocou mais de 380 mil mortes, nas estimativas oficiais, e levou 6,6 milhões de pessoas a deixar o país. A Síria se tornou terra arrasada, com 90% da população vivendo abaixo da linha de pobreza.
Do outro lado, o Estado Islâmico
Também nesta quarta-feira, a Alemanha condenou o iraquiano Abu Walaa, chefe do Estado Islâmico em território alemão, a dez anos e meio de prisão por pertencer à organização terrorista e recrutar seguidores para o jihadismo.
Outros três réus foram julgados e condenados a penas entre quatro e oito anos. Todos foram acusados de estarem envolvidos no recrutamento e radicalização de jovens alemães, especialmente nas regiões do Ruhr e da Baixa Saxônia.
Segundo o Ministério Público, dois desses jovens radicalizados já cometeram ataques suicidas no Iraque, com um elevado número de vítimas. Outro passou a servir nas estruturas do Estado Islâmico do Iraque.
O grupo terrorista ainda ocupa cerca de 2% da Síria, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos.