Apesar do alinhamento automático ao governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o Brasil não terá problemas em lidar com Joe Biden caso o democrata seja eleito para a Casa Branca neste ano, afirmou o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
Em entrevista à Bloomberg publicada na segunda-feira 27, o chanceler disse que o Brasil está pronto para qualquer resultado em novembro, apesar de críticas da oposição americana às políticas ambientais e à situação de direitos humanos no Brasil, além de alertas recentes contra interferências na eleição.
Segundo uma pesquisa recente da ABC News/Washington Post, Trump está quinze pontos porcentuais atrás do ex-vice-presidente Biden. Uma eventual mudança em Washington pode ser um golpe para o presidente Jair Bolsonaro, que, assim como seus filhos, tenta associar sua imagem à do americano. Bolsonaro mostra afinidade com o líder americano tanto na forma simples de se comunicar quanto no conteúdo de seus discursos.
“Tenho certeza que, em um eventual governo democrata, com certos ajustes a gente conseguiria manter uma agenda muito positiva”, disse ele, em entrevista por vídeo. “Os presidentes Bolsonaro e Trump têm uma relação muito próxima, que tem trazido avanços muito importantes, mas esses avanços são entre Brasil e EUA, não entre os dois presidentes.”
A relação entre a família Bolsonaro e Trump, no entanto, parece girar em grande parte em torno da figura do republicano. Em setembro de 2019, segundo o blog do jornalista Lauro Jardim, diplomatas presentes em uma reunião antes da Assembleia Geral das Nações Unidas relataram que o presidente brasileiro disparou “I love you” (eu te amo, em inglês) para o americano. Em troca, Trump teria respondido “nice to see you again” (bom te ver de novo).
No mesmo dia da entrevista, o presidente do Comitê de Relações Internacionais da Câmara dos EUA, Eliot Engel, se manifestou fortemente contra o apoio do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) à reeleição de Trump
“Já vimos esse roteiro antes. É vergonhoso e inaceitável. A família Bolsonaro precisa ficar fora das eleições nos EUA”, escreveu Engel no perfil do Comitê de Relações Exteriores, citando um post de Eduardo Bolsonaro em que aparece a frase “Trump 2020” e uma propaganda política de sua campanha.
Não é a primeira vez que uma comissão da Câmara dos Deputados dos EUA se manifesta contra a relação entre Trump e Bolsonaro. Em junho, o Comitê de Assuntos Tributários mostrou-se contra os planos da Casa Branca de negociar acordos com o governo brasileiro. Entre as razões apontadas estão as políticas de direitos humanos e meio ambiente de Bolsonaro.
O estilo comum foi acentuado pela pandemia, no início da qual ambos os líderes minimizaram, e ainda minimizam, a ameaça do vírus, que já deixou mais de 650.000 mortos em todo o mundo.
Sob comando de Araújo, o governo brasileiro também se juntou aos EUA contra um “inimigo” em comum: a China. Antes mesmo de assumir, Bolsonaro já mobilizava uma retórica que apresentava a China como potencial ameaça, como forma de mobilizar sua base de apoio. No entanto, o volume das exportações brasileiras está muito concentrado no mercado chinês, à medida que 25% das exportações têm a China como destino. Além disso, as exportações encontram-se altamente concentradas em torno de três produtos: soja, minério de ferro e petróleo, que responderam em 2019 por 75% dos envios ao países.
Apesar de ter rendido frutos, como a permissão para exportação de carne fresca brasileira aos EUA e acordos na área da Defesa, o alinhamento tem sido visto como “subserviência” por diversas figuras. Em artigo recente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e os ex-chanceleres Aloysio Nunes Ferreira, Celso Amorim, Celso Lafer, Francisco Rezek e José Serra criticaram a postura brasileira, expressando preocupação com a “sistemática violação pela atual política externa dos princípios orientadores das relações internacionais do Brasil”.
O texto, que também contou com o ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero e o ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência, Hussein Kalou, também cita o “desmoronamento da credibilidade externa, perdas de mercado e fuga de investimentos”.