Esperança desfeita
No Sudão, a junta instalada no poder prometeu uma transição democrática que não veio e, ao que tudo indica, não virá
A Primavera Árabe, que no passado recente varreu o norte da África destronando ditadores e trazendo ares passageiros de democracia, chegou ao Sudão em dezembro de 2018. Começou com a alta no preço do pão, que exasperou a população, cada vez mais depauperada desde que o país perdeu a porção rica em petróleo, hoje nas mãos do independente Sudão do Sul, e culminou com a queda de Omar al-Bashir, o déspota que passou três décadas no poder e foi repudiado mundialmente pelos crimes contra a humanidade que cometeu. À euforia que tomou as ruas com sua derrocada, porém, seguiu-se nos últimos dias um sanguinolento massacre de civis por forças militares que lotou os hospitais da capital, Cartum. A junta instalada no poder prometeu uma transição democrática, que não veio e, ao que tudo indica, não virá. A expectativa frustrada insuflou os atos de protesto, que têm na linha de frente profissionais liberais (médicos, advogados, professores) empenhados no que chamam de resistência pacífica por mudanças. Sua estratégia consiste principalmente em espalhar barricadas de entulho nas ruas para frear a movimentação das tropas. Até a quinta-feira 13, o balanço do acirramento da violência contabilizava setenta estupros, 700 feridos e 188 mortos, cujos corpos foram lançados no Rio Nilo. Contra todas as evidências, os militares negam participação na chacina, que, segundo eles, teria sido executada por sabotadores da “revolução”. A carnificina foi condenada pela ONU, que exigiu das autoridades do país uma investigação independente. Por ora, deu-se uma trégua entre os militares, enfurnados no quartel-general do Exército, e o povo, que ambiciona uma primavera para valer. A solução do conflito ainda é sonho distante.
Publicado em VEJA de 19 de junho de 2019, edição nº 2639
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