EUA: Documento vazado da Suprema Corte pode derrubar direito ao aborto
O portal de notícias Politico obteve um rascunho de projeto de parecer do tribunal em que a maioria dos juízes votou para derrubar Roe vs. Wade
Um rascunho de projeto de parecer da Suprema Corte dos Estados Unidos, obtido na madrugada desta terça-feira, 3, pelo portal de notícias Politico, mostrou que a maioria do tribunal votou para derrubar a decisão histórica Roe vs. Wade, garantidora do direito ao aborto no país por quase meio século.
Segundo o Politico, o projeto rotulado como “Parecer da Corte” foi escrito pelo juiz Samuel A. Alito Jr, que chamou Roe vs. Wade de decisão errada e disse que a questão deveria ser decidida por políticos, não pelos tribunais. “É hora de prestar atenção à Constituição e devolver a questão do aborto aos representantes eleitos do povo”, Alito teria escrito no documento.
O rascunho divulgado pelo Politico é consistente com os padrões da Suprema Corte, incluindo estrutura, tamanho, tipografia e formato das citações legais. Seu tom assertivo e às vezes cortante se parece muito com outros pareceres do juiz Alito.
A divulgação do documento de 98 páginas é sem precedentes na história moderna do tribunal: os primeiros rascunhos de pareceres praticamente nunca vazaram antes que a decisão final fosse anunciada, e nunca em um caso tão importante. E os primeiros rascunhos muitas vezes mudam no momento em que a decisão do tribunal é anunciada.
Logo após a publicação do artigo, o editor-chefe do Politico, Matthew Kaminski, e sua editora executiva, Dafna Linzer, enviaram um e-mail aos funcionários da redação enfatizando sua autenticidade. No memorando, Kaminski e Linzer disseram que o artigo passou por “um extenso processo de revisão”, descrevendo-o como “notícia de grande interesse público”.
Questionada sobre a reação ao vazamento aparente, uma porta-voz da Suprema Corte disse que o tribunal não tinha comentários.
Se os juízes anunciarem uma decisão nos moldes do rascunho vazado, seria uma mudança sísmica na lei e na política americanas, apenas alguns meses antes das eleições parlamentares de meio de mandato. No pleito, será decidido quem controla as casas legislativas: os republicanos ou os democratas.
O aborto sempre dividiu as duas legendas – e o país –, embora nas últimas eleições presidenciais tenha saído dos holofotes. Mas uma decisão judicial como essa deve incitar novas batalhas políticas no Congresso e nos estados americanos.
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A reportagem do Politico disse que os juízes que votaram para apoiar a opinião do juiz Alito foram Clarence Thomas, Neil M. Gorsuch, Brett M. Kavanaugh e Amy Coney Barrett. O portal de notícias disse que os juízes Stephen G. Breyer, Sonia Sotomayor e Elena Kagan estavam trabalhando em dissidências. Não ficou claro como o presidente da Suprema Corte, John G. Roberts Jr., planejava votar.
Roe vs. Wade, que estabeleceu o direito constitucional ao aborto em um caso histórico de 1973, é peça central da jurisprudência americana desde então. A decisão foi um “precedente” que consolidou direitos básicos das mulheres ao aborto legal. Ao longo dos anos, o tribunal aceitou restrições a esse direito, mas não vacilou em relação a Roe.
A atual corte – que tem seis juízes conservadores e três progressistas – deu indicações ao longo do ano passado de que estaria disposta a reconsiderar essa posição. Em dezembro, juízes conservadores indicaram a disposição de reduzir, se não dissolver, as proteções federais ao aborto e deixar a maior parte da regulamentação ao nível estadual.
Em mais de duas dúzias de estados conservadores, tramitam no legislativo projetos de lei que, efetivamente, proibiriam o aborto se o tribunal anular Roe vs. Wade. Com o parecer do juiz Alito, esses projetos devem tornar-se lei rapidamente.
Se o projeto vazado for adotado oficialmente, pode testar a legitimidade da Suprema Corte. No argumento, os três juízes progressistas dizem que anular o direito logo após uma mudança na composição do tribunal prejudicaria sua autoridade. A juíza Sonia Sotomayor disse que isso representaria uma “ameaça existencial”.
“Esta instituição sobreviverá ao fedor que isso cria na percepção pública de que a Constituição e sua leitura são apenas atos políticos?”, ela perguntou. “Se as pessoas realmente acreditam que tudo é político, como vamos sobreviver?”