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Mês dos Pais: Revista em casa por 7,50/semana

Festa diplomática entre Brasil e França é oportunidade para estreitar laços entre países

Às vésperas da abertura, a vasta programação se insere em um momento político vital

Por Monica Weinberg, de Paris
Atualizado em 15 ago 2025, 15h47 - Publicado em 15 ago 2025, 06h00

Às margens do Sena, em meio à coleção de cartões-postais parisienses que promovem um passeio pela história, desponta a cúpula da Academia Francesa, uma das mais antigas instituições em um país tão afeito a elas. No interior da construção de estilo neoclássico, Lula foi recebido no salão principal, em 6 de junho, acompanhado do presidente Emmanuel Macron. Ganhou uma medalha de honra, tal qual a concedida a dom Pedro II, e um desafio: propor um novo verbete para o dicionário do instituto, um guardião do idioma — do qual, aliás, a Academia Brasileira de Letras importou todo o modelo. Bem ensaiado para a pomposa cerimônia, o brasileiro pôs à mesa dos nobres imortais uma palavra comprida: “multilateralismo”, conceito que emergiu no pós-Segunda Guerra em torno da ideia da cooperação entre países esfacelados pelo conflito e que, nos dias de hoje, anda castigado por muros tarifários.

A SORRIR - Lula e Macron: “É um novo capítulo na relação”, postou o francês
A SORRIR - Lula e Macron: “É um novo capítulo na relação”, postou o francês (Ricardo Stuckert/PR)

Lula deu ali o tom do que já o fez se encontrar com Macron nove vezes só neste mandato, na busca de estreitar laços com uma das nações que mais investimentos têm hoje no Brasil e que tanto influenciou os diversos escaninhos da sociedade desde os remotos tempos coloniais. A festiva visita a Paris, com direito até à Torre Eiffel tingida de verde e amarelo, inseriu-se no caldo das celebrações de uma data redonda: 2025 marca dois séculos de relações diplomáticas entre os dois países, efeméride comemorada com o Ano Brasil-França, um intercâmbio em grande escala abrangendo exposições, shows, ópera, boa comida, trocas científicas, debates sobre clima, democracia e até os elos com a África. Do lado francês, a temporada, como é chamada pelos organizadores, começou em abril e se encerra em setembro, enquanto a estreia por aqui será no próximo dia 21, em Brasília, com autoridades de lá e de cá confirmadas e a aguardada presença de Lula. “A cultura tem papel central para estimular o diálogo e sedimentar relações bilaterais e multilaterais numa era de tantos desafios, com o mundo tão polarizado”, disse a VEJA Anne Louyot, diplomata à frente do conjunto de mais de trezentas iniciativas prestes a desembarcar da França em quinze cidades brasileiras de todas as regiões.

Em terras francesas, já se vê de tudo um pouco do Brasil — de show de Seu Jorge a fins de semana à beira do Rio Sena embalados por funk, samba e forró, ritmos nos quais os mais corajosos se arriscam traçando acarajé e pão de queijo. Também museus imperdíveis em uma visita a Paris abriram as portas a figuras de peso da cena contemporânea, como Lucas Arruda, o primeiro brasileiro a ocupar as concorridas paredes do Orsay ao lado dos mestres do impressionismo, e Anna Maria Maiolino, em exibição no Museu Picasso, o palacete do século XVII que abriga todas as fases do genial espanhol. Para promover um baile de Carnaval fora de época no improvável cenário do Grand Palais, o prédio abundante em aço e vidro perto da Champs-Élysées, Didier Fusillier, presidente da instituição, foi ao Rio assistir aos desfiles das escolas de samba e ficou encantado: “É um dos maiores espetáculos que já vi”, definiu. “A ideia é mostrar um Brasil longe dos estereótipos, rico e diverso culturalmente”, diz Marco Antonio Nakata, diretor do Instituto Guimarães Rosa, responsável pela temporada brasileira na França.

O RIO VIROU PRAIA - Diversão às margens do Sena: os locais se arriscam no samba e trocam crepe por pão de queijo
O RIO VIROU PRAIA - Diversão às margens do Sena: os locais se arriscam no samba e trocam crepe por pão de queijo (//Reprodução)
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Um ponto alto no Brasil será uma exposição de Jean-Baptiste Debret (1768-1848), em cartaz na bela Maison de L’Amérique Latine, em Paris, que se prepara para migrar para o Museu do Ipiranga, em São Paulo. O artista francês, que, como outros, perdeu a guarida oficial com a queda de Napoleão Bonaparte e acabou nos trópicos em busca de trabalho na corte de dom João VI, junto à Missão Francesa, ajudou a fundar a Academia Imperial de Belas Artes e influenciou os pincéis na terra onde tudo era novidade. Retratou o próprio dom João e a coroação de dom Pedro I com tintas neoclássicas e cravou na tela um olhar aguçado sobre as hierarquias coloniais e a violência contra os negros — tudo exibido na mostra, que provoca o olhar com obras de quinze brasileiros que fazem uma releitura moderna de Debret. Mal recebido à época em solo brasileiro, onde foi visto como demasiado crítico à monarquia, seu trabalho virou livro na França, sob o título Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, mais tarde também censurado por lá. “O que Debret faz são esqueletos, ele não sabe desenhar. Essa não é a realidade brasileira”, disparava a crítica ao pintor, um dos franceses que deixaram legado relevante ao Brasil. “Sem os registros de viajantes franceses como ele, o conhecimento sobre nossas origens seria bem menos rico”, avalia o historiador Paulo Rezzutti.

Um dos propósitos do megaevento é deixar algo mais duradouro entre franceses e brasileiros, que já mantêm estratégicas parcerias. É o que se espera, por exemplo, do Fórum Científico Conexões Amazônicas, em Belém, uma reunião de pesquisadores dos dois lados do oceano que já muito colaboram entre si e que, segundo a aposta dos organizadores, dará solidez à rede — isso às vésperas da COP30, na qual Macron confirmou presença, quando temas investigados por essa turma estarão no foco. Com a mesma ambição de não fazer aparição passageira, a Ópera da Bastilha, que nos anos 1980 o presidente François Mitterrand fincou no cenário parisiense sob críticas de que faltava vida ao prédio envidraçado, fará apresentações com cantores de ambas as nacionalidades em São Paulo, Rio e Curitiba, exibindo uma mescla de compositores franceses e brasileiros, como Villa-Lobos e Chiquinha Gonzaga. Haverá ainda aulas para jovens talentos nacionais, que podem ser garimpados para os palcos de Paris. “Queremos fortalecer os vínculos de nossa ópera com instituições musicais brasileiras”, diz Myriam Mazouzi, que encabeça os trabalhos na Bastilha.

SEM FILTROS - Gravura de Viagem Pitoresca ao Brasil, de Debret: olhar crítico
SEM FILTROS - Gravura de Viagem Pitoresca ao Brasil, de Debret: olhar crítico (Jean-Baptiste Debret//)
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A temporada Brasil-França foi sugerida por Lula a Macron em junho de 2023, meio em cima da hora para os relógios franceses, mas prontamente aceita pelo ocupante do Palácio do Eliseu. Duas décadas atrás, os países assinaram um acordo de colaboração especialmente forte nas áreas de tecnologia e defesa, renovado no ano passado sob uma chuva de holofotes em visita do presidente francês a Lula. Na ocasião, os mandatários se deixaram fotografar à vontade, rendendo um festival de memes que faziam alusão a um certo “clima pré-nupcial”. O próprio Macron, em momento menos sisudo, postou: “É um novo capítulo na relação”. Mas nem tudo são buquês, como bem se sabe. Um dos grandes objetivos de Lula no plano externo é emplacar o acordo União Europeia-­Mercosul, que se arrasta há décadas e tem justamente na França, ciosa em proteger seus produtores, o maior opositor. A cada encontro com Macron, o brasileiro martela o assunto. “O governo está otimista com as perspectivas de assinatura do acordo, o que espera que possa se confirmar nos próximos meses”, acredita Flavio Goldman, diretor do departamento dedicado à Europa no Itamaraty.

Um mergulho no tempo mostra que os franceses estiveram sempre por perto, desde o descobrimento. Muitos deles já haviam ido e vindo no início do século XVI, incluindo aí uma malsucedida tentativa de fixação em Pernambuco. Em 1555, o projeto da França Antártica deslanchou com uma armada liderada pelo cavaleiro e diplomata Nicolas de Villegagnon aportando na Baía de Guanabara. Imbuída de aspirações coloniais, chegou a estabelecer por lá duas povoações que os portugueses trataram de atacar, colhendo vitória definitiva em 1567. No século XVII, os franceses rumaram para o Nordeste e ali fundaram São Luís do Maranhão, batizada em homenagem ao rei Luís IX, o único monarca do país alçado a santo.

LEGADO - Lévi-Strauss: membro da turma francesa que lecionou na USP nos anos 1930
LEGADO - Lévi-Strauss: membro da turma francesa que lecionou na USP nos anos 1930 (Acervo BNF//)
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A Missão Francesa, no século XIX, embutia o explícito desejo de replicar na corte que aqui passou a viver os ritos, os costumes e a língua do país que ditava moda — até o trono de dom João VI, hoje no museu da Catedral Metropolitana do Rio, é uma imitação do de Napoleão, com a diferença de trocar o azul por vermelho. O mais francófono de todos foi dom Pedro II, que tentou o quanto pôde trazer ao Brasil Louis Pasteur, o eminente cientista que mudou os rumos da medicina. Mesmo diante da recusa, o ajudou a fundar seu instituto em Paris e enviou um respeitado pesquisador à França. Daí resultou o Instituto Pasteur brasileiro, curiosamente inaugurado meses antes do francês, no mesmo 1888.

A imersão dos brasileiros na cultura francesa não parou de impactá-los. Os ventos da modernidade atraíram à cena parisiense grandes nomes das artes — Portinari, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral —, que beberam da fonte dos movimentos de vanguarda que por lá floresceram no século XX. Também Le Corbusier, o suíço naturalizado francês agraciado com uma ótima mostra em Paris nesta temporada de celebrações, serviu de inspiração a uma turma da arquitetura moderna nacional que mudaria a paisagem brasileira, entre eles Oscar Niemeyer e Lucio Costa. Nos anos 1930, um grupo de proeminentes franceses empacotou as malas e foi decisivo para pavimentar o caminho da excelência nos primórdios da Universidade de São Paulo (USP), incluindo Claude Lévi-Strauss (1908-2009), um dos mais relevantes nomes da etnologia contemporânea, que ensinou sociologia, e o historiador Fernand Braudel (1902-1985). Em uma entrevista, Braudel lembrou das aulas em francês, idioma então vastamente falado no campus, e do clima naquela época de ebulição: “O Brasil era um banho de juventude para quem vinha da Europa”, disse. A aposta é que laços tão permeados de memória e riqueza sigam fazendo história.

Publicado em VEJA de 15 de agosto de 2025, edição nº 2957

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