Vitorioso contra Saddam, ‘Bush pai’ sucumbiu a inimigo interno: a recessão
Vitória na Guerra do Golfo levou popularidade a 90%, mas fracasso em recuperar economia impediu reeleição; relembre trajetória de republicano
O ex-presidente dos Estados Unidos George H. W. Bush, que ocupou a Casa Branca entre 1989 e 1992, morreu nesta sexta-feira, aos 94 anos. Ele sofria um tipo de Parkinson que o impedia de caminhar e o deixou em uma cadeira de rodas nos seus últimos anos de vida
Bush era pai do também ex-presidente George W. Bush, repetindo mais de 170 anos depois a “dobradinha” familiar de John Adams (1797-1801) e John Quincy Adams (1825-1829). A morte foi comunicada pelo filho: “Jeb, Neil, Marvin, Doro e eu anunciamos com tristeza que, depois de 94 anos extraordinários, nosso querido pai morreu”.
Além de um lugar na seleta galeria de ex-presidentes, pai e filho também compartilharam um inimigo em comum: Saddam Hussein. Capturado e condenado à morte no governo de Bush ‘filho’, o ditador iraquiano foi responsável pelo maior desafio enfrentado pelo pai em seus quatro anos de mandato: a Guerra do Golfo.
Quando as tropas de Saddam invadiram o Kuwait em 1990, abrindo um perigoso precedente na região e ameaçando a produção mundial de petróleo, George Bush ainda era visto como um líder hesitante. Político de personalidade discreta, ele assumira o cargo sob a sombra de seu antecessor, o ultrapopular Ronald Reagan (1981-1988), de quem havia sido vice por oito anos.
Superando desconfianças e comparações, Bush deu sinal verde para a intervenção no Golfo Pérsico e esmagou a empreitada iraquiana de forma exemplar. A vitória na guerra dobrou os críticos e elevou sua popularidade a um recorde de 90%, mas o sucesso militar não foi suficiente para compensar o fracasso em recuperar a contraída economia americana. Bush acabou derrotado por Bill Clinton em 1992, em meio à recessão americana.
Homem de confiança
O revés eleitoral foi o epílogo da carreira de um político pouco acostumado ao protagonismo: antes de chegar à Casa Branca, Bush vencera apenas uma eleição para deputado no distante ano de 1966. Ruim no voto popular, ele construiu sua trajetória em cargos nomeados. Homem de confiança dos republicanos, Bush ocupou postos estratégicos durante os oito anos em que o partido esteve no poder entre 1969 e 1977: foi embaixador nas Nações Unidas, enviado especial à China –espécie de embaixador informal numa época em que os dois países não tinham restabelecido laços diplomáticos– e até diretor da CIA (agência de inteligência americana).
Depois dos oito anos na vice-presidência, contou com o apoio de Reagan para superar seu fraco histórico eleitoral e derrotar o democrata Michael Dukakis em 1988. No palanque, agradou os americanos ao assumir o compromisso de não aprovar novas taxações com o slogan: “Leiam os meus lábios: nada de novos impostos” – uma promessa que ele não conseguiria cumprir.
Guerra do Golfo
A chance de provar que estava à altura do cargo veio com a Guerra do Golfo. Mostrando habilidade no campo diplomático, Bush costurou uma coalizão de 28 nações em uma manobra que deixou o regime de Saddam isolado. Também deu aval para grandes bombardeios teleguiados que castigaram Bagdá com a cobertura ao vivo das televisões. A ofensiva final por terra, nomeada ‘Tempestade no Deserto’, foi outro sucesso e depois de apenas 100 horas de combate a guerra estava terminada – com baixas mínimas para os aliados e a rendição das esfomeadas tropas iraquianas. “O mundo superestimou Saddam Hussein e subestimou George Bush”, resumiu o The New York Times ao final do conflito.
Questionado muitas vezes ao longo dos anos sobre as razões de não ter estendido a guerra até a queda do tirano, Bush defendeu no livro A World Transformed (Um Mundo Transformado, em tradução literal) que uma empreitada desse tipo provocaria custos humanos e políticos incalculáveis. “Seríamos obrigados a ocupar Bagdá e, efetivamente, governar o Iraque. A coalizão entraria em colapso instantaneamente, com os países árabes desertando com raiva e outros aliados desistindo também”, escreveu. O intuito de derrubar Saddam acabaria sendo alcançado doze anos depois por seu filho – com um enorme custo político e humano, como previra o pai.
Também na política externa, autorizou, em 1989, uma intervenção militar no Panamá que tirou do poder o ditador Manuel Noriega, acusado de envolvimento com o narcotráfico. A ação foi criticada pela comunidade internacional como uma violação da soberania panamenha, mas Bush conseguiu o seu objetivo e Noriega cumpriu dezessete anos de prisão nos EUA. Nas relações com a União Soviética, o republicano negociou com Mikhail Gorbachev acordos que reduziram o arsenal nuclear dos dois países e abriram as portas do mercado americano para as exportações soviéticas.
Queda inesperada
Aprovado por nove entre dez americanos, Bush parecia invencível ao final da Guerra do Golfo. Porém, a recessão se mostrou uma adversária mais perigosa do que Saddam. Com a economia estagnada e um número cada vez maior de desempregados, o presidente se viu obrigado a –pecado supremo– quebrar sua promessa de campanha e aumentar impostos. “Leiam os meus lábios: eu menti”, ironizou o tabloide New York Post na ocasião.
Entre o fim da guerra, em fevereiro de 1991, e as eleições presidenciais, em novembro de 1992, a popularidade de Bush despencou de 90% para 34%. Para piorar, ele tinha como adversário um político jovem, carismático e alinhado com as mudanças culturais que o mundo experimentava depois de quarenta anos de Guerra Fria: Bill Clinton. Derrotado por sua antítese, Bush ainda teve a discutível honra de ter inspirado uma frase que virou mandamento na cartilha dos marqueteiros americanos. Ao sinalizar o caminho que sua equipe deveria seguir para vencer o republicano, o chefe da campanha democrata James Carville foi cru e certeiro: “É a economia, estúpido”.
‘Um pai amoroso’
Fora da Casa Branca, Bush seguiu o caminho natural para os ex-presidentes americanos e abandonou a política para se dedicar a causas civis. Em mais de uma oportunidade, se juntou ao antigo rival Bill Clinton em campanhas beneficentes para vítimas de desastres. Colocado em uma situação incomum com a eleição do filho em 2000, optou por evitar os holofotes e não interferir durante a conturbada gestão de George W. Bush. “Claro que havia momentos em que discordávamos”, contou para o jornalista Larry King em 2010. “Mas a verdade é: ele tinha a sua equipe, as pessoas em quem confiava. Eu era um velho nos bastidores, um pai amoroso.”
Amoroso e compreensivo. Afinal, assim como o filho, George Bush também sofreu uma forte influência familiar em sua trajetória. Neto de um rico industrial e filho de um banqueiro bem sucedido na política, ele herdou desde o nascimento, em 12 de junho de 1924, um sobrenome de peso, profundamente ligado à elite da Nova Inglaterra. Seguindo os passos do pai, Prescott, um veterano da I Guerra Mundial, Bush se alistou na Marinha após o ataque contra Pearl Harbor em 1941, tornando-se o mais jovem aviador naval até então. Em uma missão no Pacífico, seu avião foi atingido pela artilharia antiaérea japonesa e ele precisou ejetar, esperando por quatro horas no oceano até ser resgatado por um submarino americano.
Ao retornar como herói, casou-se com Barbara Pierce, que adotaria o sobrenome do marido e seria sua companheira por mais de setenta anos — a ex-primeira dama morreu em 17 de abril de 2018, tendo sido a única mulher na história a ver seu marido e seu filho assumirem a presidência americana.
No início dos anos 1950, a família Bush, antes sediada em Connecticut, mudou-se para o Texas, onde ele fez fortuna na indústria do petróleo e criou seus cinco filhos. Além de George W., outro que seguiu a carreira política foi Jeb, que governou a Flórida por dois mandatos e tentou a nomeação republicana para disputar a Presidência em 2016. Bush pai sai de cena, mas sua dinastia pode ainda não haver terminado.