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Golpe à moda inglesa

Parlamento britânico atua para puxar o tapete de Theresa May e assumir o controle do divórcio da União Europeia. Mas ela, incansável, insiste no seu acordo

Por Thais Navarro
Atualizado em 4 jun 2024, 16h05 - Publicado em 25 jan 2019, 07h00

“Ordem, ordem.” A voz empolada e estridente de John Bercow, presidente da Câmara dos Comuns britânica, entrando em cena para conter políticos em pé de guerra, virou um meme popular nestes tempos de Brexit. Bercow é praticamente a rainha da Inglaterra do Parlamento: por força do cargo, não tem partido, não manda em nada e está lá justamente para manter a ordem dos trabalhos. Mesmo assim, é figura central em um movimento com contornos revolucionários para os padrões de Westminster, ao não fazer nada, a não ser berrar, para deter uma série de moções apresentadas por parlamentares que pretendem tirar das mãos da primeira­-ministra Theresa May as rédeas do divórcio da União Europeia.

As leis não escritas que regem o Parlamento britânico o impedem de tomar a iniciativa em questões de governo. Ele está lá para reagir ao que o primeiro-ministro propõe. Mas, como tudo o que May propôs até agora bateu na barreira de uma Câmara inapelavelmente rachada — e o prazo final para o Brexit, 29 de março, está chegando —, pelo menos uma dezena de moções em andamento têm o objetivo de mudar esse estado de coisas. As duas votações mais relevantes em pauta são para impedir definitivamente o divórcio sem acordo prévio e determinar o adiamento do fatídico prazo da separação. Tudo teria de passar pela aprovação do governo para entrar em vigor, mas a esperança dos autores das propostas é que elas obtenham maioria tão acachapante que May seja forçada a assinar embaixo e, na prática, entregar ao Parlamento o controle do processo. “Estamos atravessando um daqueles momentos excepcionais de mudança constitucional”, avalia Ian Dunt, analista político que se opõe ao Brexit.

May, enquanto isso, teimosamente segue seu périplo para manter de pé o acordo que negociou por dois anos e meio e foi derrotado por 230 votos, em sessão histórica, há duas semanas. Na segunda 21, obedecendo à regra do jogo, ela apresentou seu plano B — que de diferente do A só tem mesmo a extinção de uma taxa para não britânicos continuarem morando no país. Ela aposta agora na urgência do acordo para, no corpo a corpo, cooptar aliados e sair da nova votação derrotada, sim, porém com uma margem mais confortável de apoio, que lhe permita voltar à União Europeia e renegociar pontos polêmicos. No cenário da primeira-ministra está a votação de uma terceira proposta de acordo, mais palatável e mais premente ainda, em meados de fevereiro. “Ela não quer desistir. Acredita que tem fôlego para tirar novas concessões da UE”, diz o cientista político irlandês Richard McMahon, da University College London.

O plano B será submetido ao Parlamento no dia 29, a mesma data da votação das moções “rebeldes”. Antes disso, no sábado 19, um carro-bomba explodiu na fronteira entre a Irlanda do Norte (britânica) e a Irlanda — o ponto geográfico mais tortuoso do não acordo de May —, sem causar vítimas, mas reprisando o pesadelo dos atentados em nome da unificação da ilha. Quatro dias depois, o gigante japonês Sony anunciou a mudança de sua sede europeia, na Inglaterra, para a Holanda, caminho tomado por outras empresas. O divórcio não para de dar dor de cabeça.

Publicado em VEJA de 30 de janeiro de 2019, edição nº 2619

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