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Há 70 anos morria Mahatma Gandhi, o pai dos protestos pacíficos

Fundamental para a independência da Índia, Gandhi foi assassinado em 30 de janeiro de 1948 por um radical hindu

Por Carolina Marins Atualizado em 30 jan 2018, 07h00 - Publicado em 30 jan 2018, 07h00
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  • Figura fundamental para a independência da Índia e reverenciado como pai do Estado indiano moderno, há 70 anos morria, assassinado em 30 de janeiro de 1948, Mahatma Gandhi, líder que inspirou milhões de indianos na década de 1940 a se rebelar contra o Império colonial britânico através da desobediência civil e em protestos pacíficos, visando a conquista de direitos sem o uso da força. Com discursos que apelavam à fé e ao amor, Gandhi continua extremamente presente no dia-a-dia da Índia — em praticamente todas as cidades do país existem estátuas, monumentos, ruas e escolas com seu nome; e crianças estudam sua biografia do primário ao colegial.

    Nascido Mohandas Karamchand Gandhi, em 2 de outubro de 1869, em Porbandar, no estado indiano de Gujarat, noroeste do país, o líder acabou ganhando a alcunha “Mahatma” (palavra que significa “a grande alma” em sânscrito) por “haver se tornado um dos mais destacados indianos ativos na vida pública de seu país e do Império Britânico na primeira metade do século 20″, segundo explica Santosh Kumar Rai, professor de história moderna indiana na Universidade de Nova Déli.

    Filho do primeiro-ministro (prefeito) de Porbandar e de uma hindu devota, cresceu sob grande influência do Vaishnavismo, uma ramificação do hinduísmo, e do Jainismo, uma religião indiana que prega a não violência e a crença de que tudo no universo é eterno. O vegetarianismo, o jejum como um ato de purificação e a tolerância fizeram parte de sua criação. Casou-se com apenas 13 anos com Kasturba Gandhi, que à época tinha 14 anos.

    A Índia obteve a liberdade em 15 de agosto de 1947 e a contribuição de Gandhi foi muito importante tanto por causa de sua luta política, exigindo liberdade através de meios pacíficos, quanto por sua criação de consciência social e seu direcionamento para o povo indiano.

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    – Vijay Singh Chauhan, Cônsul-Geral da Índia em São Paulo.

    Aos 19, Gandhi foi para Londres estudar Direito na University College London, onde tinha preocupação constante de manter as tradições de sua cultura e suas crenças. Teve de se adaptar às vestimentas, costumes e, principalmente, se esforçar para manter seu vegetarianismo. Durante sua busca por uma vida sem carne, conheceu diversas pessoas que o apresentaram filosofias que pregavam a negação da sociedade capitalista e industrial, e cultuavam uma vida simples. Esses ideais contribuíram para a construção da personalidade e da filosofia de Mahatma Gandhi.

    África do Sul e desobediência civil

    Quando voltou à Índia, recebeu a notícia da morte de sua mãe e descobriu que sua timidez era um entrave às suas empreitadas no mundo da advocacia. Em abril de 1893, aos 23 anos, aceitou um emprego no exterior, em uma firma indiana de Natal, na África do Sul. O que deveria ser uma estadia de um ano, se tornou um dos momentos mais importantes da vida de Gandhi:  logo na chegada ao país Gandhi sofreu discriminação devido à cor de sua pele e a sua ascendência — foi solicitado a retirar o turbante em uma corte judicial e impedido de frequentar lugares destinados a europeus.

    O momento que acenderia a chama da liderança em Gandhi, no entanto, ocorreu próximo à data em que deveria deixar a África do Sul: ele descobriu que a Assembleia Legislativa de Natal estava prestes a votar uma lei que privaria os indianos vivendo no país do direito ao voto. Embora não gostasse de se envolver em política, decidiu advogar em favor do que considerava “o primeiro passo rumo ao fim” do povo indiano na África do Sul.

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    Redigiu petições para a assembleia e para o governo colonial britânico tentando impedir a aprovação da lei. Apesar de não ter tido êxito, conseguiu chamar a atenção da imprensa para o que se passava.

    Buscou sua esposa e seus filhos na Índia e ao retornar à África do Sul, foi linchado por uma multidão branca, só escapando graças a um disfarce. Gandhi negou-se a processar seus agressores, alegando que o certo era odiar o sistema racista, mas não as pessoas.

    Seu primeiro ato de desobediência civil aconteceu em 1906, quando o governo de Transvaal (nordeste da África do Sul) emitiu uma ordem determinando que a população de origem indiana se registrasse junto ao governo. Os indianos se revoltaram e prometeram um protesto violento, porém, sob a liderança de Gandhi, resolveram apenas desobedecer a ordem e pouquíssimos realizaram o registro. Diversos hindus, incluindo Gandhi, foram presos, mas poucas semanas após os protestos, o governo retirou a obrigatoriedade de registro para as mulheres.

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    Aos poucos, esta forma de manifestação foi ganhando popularidade e Gandhi passou a chamá-la de “Satyagraha” (força da verdade). Ele permaneceria na África do Sul por 20 anos, lutando pelas minorias hindus e contra a discriminação racial. Gandhi costumava dizer que na África do Sul aprendeu a verdadeira função de um advogado: “unir duas partes separadas e ajudar a descobrir a verdade, não incriminar um inocente”.

    Independência da Índia e a Marcha do Sal

    Pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial, em 1914, Gandhi decidiu voltar com sua família à Índia. Lá, começou a espalhar sua filosofia da não violência para conquistar a independência do colonialismo britânico. Gandhi propunha o boicote a produtos britânicos e a desobediência a leis injustas.

    O mais famoso ato de desobediência civil na Índia ocorreu em 1930 durante a Marcha do Sal (Satyagraha do Sal). As leis coloniais britânicas proibiam os indianos de fabricar o próprio sal, considerado um ativo e monopólio do Império. Gandhi iniciou uma marcha de quase 200 quilômetros rumo ao mar como forma de protesto à lei. A princípio, a marcha contava com menos de 100 participantes, mas durante o percurso de quase 24 dias mais pessoas se juntaram ao protesto. Quando finalmente alcançaram o mar, os manifestantes já somavam 60.000 pessoas. Na costa, o grupo extraiu sal das águas, e o próprio Congresso Nacional colocou panelas com sal nos telhados para secar.

    Milhares de pessoas foram presas ao longo da Satyagraha do Sal — prisões acabaram superlotadas com manifestantes e a polícia não conseguia agir frente a um número tão grande. Quando a polícia usava violência, a população não respondia, agindo de forma pacífica.

    O protesto teve êxito e no ano seguinte, Gandhi foi chamado a conversar com o vice-rei. Ficou acordado que os indianos poderiam fabricar o próprio sal e os prisioneiros da marcha foram libertados. Em entrevista a uma rádio britânica à época, Gandhi afirmou então que não buscava apenas a independência da Índia, mas a independência baseada no amor.

    O jejum era sua maior forma de protesto, prometendo ficar sem comer até que fosse despertada a consciência hindu frente às injustiças. Muitos dos seus jejuns foram em favor de melhor tratamento para a casta dos Dalits (os intocáveis dentro do sistema de castas hindu), que sofriam intensa discriminação no país. Gandhi ainda seria preso diversas vezes devido a seus atos de desobediência.

    A independência da Índia finalmente veio em 1947 — mas não como Gandhi gostaria. Seu sonho era uma Índia unificada entre hindus e muçulmanos, mas estes últimos reivindicavam seu próprio estado, que culminou com a sangrenta partilha do Império Britânico da Índia em Índia e Paquistão (mais tarde o Paquistão seria desmembrado ainda entre suas porções ocidentais e orientais, formando respectivamente os atuais Paquistão e Bangladesh).

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    As tensões entre hindus e muçulmanos radicais acabaram custando a vida do líder hindu. Logo após a partilha em dois Estados, Gandhi “com seu coração e alma partidos”, se preocupou em ajudar os atingidos pelos conflitos e pelas deportações forçadas dos dois lados da nova fronteira. Foi acusado por ambos hindus e muçulmanos de estar sendo partidário em seu trabalho de assistência aos refugiados surgidos dos novos países.

    Em 30 de janeiro de 1948, no fim da tarde, enquanto Gandhi caminhava para sua oração noturna em Nova Déli, o radical hindu Nathuram Godse desferiu contra o líder de 78 anos três tiros à queima-roupa com uma pistola Beretta 9mm. Relatos divergem sobre se Gandhi morreu instantaneamente ou se ainda teve tempo de ser socorrido, morrendo 30 minutos mais tarde. Godse foi condenado à morte por enforcamento, apesar de rumores também dado conta de que Gandhi houvesse pedido antes de morrer que perdoassem o assassino.

    “A Índia obteve a liberdade em 15 de agosto de 1947 e a contribuição de Gandhi foi muito importante tanto por causa de sua luta política, exigindo liberdade através de meios pacíficos, quanto por sua criação de consciência social e seu direcionamento para o povo indiano”, explica Vijay Singh Chauhan, Cônsul-Geral da Índia em São Paulo.

    Legado

    Sete décadas depois, Gandhi continua sendo uma figura importante para a Índia e para o mundo. O dia 30 de janeiro é marcado como o “Dia do Mártir” na Índia. “Um silêncio de dois minutos em memória dos mártires indianos é observado em todo o país às 11 da manhã. Participantes de todas as religiões prestam suas orações, realizam cerimônias e homenagens são organizadas em toda a Índia”, conta Santosh Kumar Rai, o professor da Universidade de Nova Déli. Um Museu Nacional Gandhi também existe na capital e museus menores estão presentes em locais por onde o líder passou.

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    Dentre as lutas encampadas por Gandhi estava o direito das mulheres — sobre o qual argumentava que uma sociedade não-violenta só seria possível com o fim das desigualdades. Ele nunca chegou a ganhar o prêmio Nobel da Paz, embora tenha sido indicado cinco vezes — décadas mais tarde, o comitê do responsável pelo prêmio reconheceu o erro e declarou seu arrependimento. Geir Lundestad, secretário do comitê norueguês, chegou a dizer em 2006 que “Gandhi poderia ficar sem o prêmio Nobel, mas o Comitê do Nobel não poderia ficar sem Gandhi”.

    “O mundo percebeu hoje que a melhor maneira de buscar suas demandas dos poderosos é através de meios não violentos e que, em última análise, no final é a verdade que ganha”, resume Chauhan, o cônsul indiano.

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