Pela primeira vez em 33 anos não haverá vigília e cultos religiosos para lembrar a repressão da Praça da Paz Celestial em Hong Kong, apagando um dos últimos registros da resposta sangrenta da China aos protestos estudantis de 1989.
Desde que o governo chinês impôs uma ampla lei de segurança nacional para acabar com as manifestações pró-democracia, em 2020, vigílias à luz de velas se tornaram proibidas, o Museu de Tiananmen foi fechado e estátuas que relembravam o episódio foram derrubadas.
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As missas católicas anuais foram a última maneira encontrada pelos habitantes de Hong Kong de se reunir publicamente para relembrar a repressão mortal em Pequim em 4 de junho de 1989. Na ocasião, estudantes a favor da democracia protestavam de maneira pacífica na Praça da Paz Celestial quando foram reprimidos violentamente pelo Exército chinês, que fez uso de tanques e aparatos da força militar. O número de vítimas até hoje é incerto, mas estima-se que centenas de pessoas foram mortas.
“Achamos muito difícil a atual atmosfera social. Nós não queremos de maneira alguma infringir alguma lei em Hong Kong”, disse Martin Ip, capelão da Federação de Estudantes Católicos e um dos organizadores do evento.
A diocese, cuja Comissão de Justiça e Paz era uma das organizadoras, disse que seus colegas da linha de frente estão preocupados com a possibilidade de burlar alguma lei de Hong Kong.
A lei de segurança nacional, imposta pela China em 2020, almeja acabar com as grandes manifestações no território e reforçar o poder de Pequim sobre Hong Kong. Entre as punições previstas figura a detenção por mensagens publicadas nas redes sociais.
De acordo com os críticos, a lei representa um golpe fatal ao princípio de “um país, dois sistemas”, que garantia até 2047 uma série de liberdades inéditas na China continental. Junto a isso, o governo chinês aprovou em abril uma lei que restringe drasticamente o direito dos cidadãos de Hong Kong de se candidatarem, fortalecendo ainda mais o poder de Pequim sob o território. A medida reduz o número de parlamentares eleitos diretamente e, na prática, impede a oposição de obter maioria no legislativo.
A discussão sobre a repressão da Praça da Paz Celestial é praticamente proibida na China continental. No entanto, antes da imposição da lei de segurança nacional, sua história era frequentemente ensinada nas escolas no território autônomo, que defendia ainda o fim do Partido Comunista Chinês.
Em poucos meses, dezenas de atos para lembrar o ocorrido foram suprimidos. A Aliança de Hong Kong, grupo de defesa mais proeminente e organizador da vigília à luz de velas, foi processado como “agente estrangeiro” por incitação à subversão.
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No ano passado, seus líderes foram presos, o museu foi fechado após uma batida policial e os registros digitais da repressão foram excluídos durante a noite sob uma ordem policial para fechar o site e as contas de mídia social do grupo.
A repressão foi o suficiente para fazer com que outras organizações temessem novas ações. Também em 2021, seis universidades removeram monumentos de seus campus e, pouco antes do Natal, outros três foram removidos pelas autoridades chinesas em um espaço de 48 horas.
Os esforços para remover qualquer resquício do massacre da Praça da Paz Celestial seguem em andamento. No início deste ano, autoridades cobriram um slogan de 4 de junho no campus com cimento e o chamou de “manutenção regular”. Nas bibliotecas públicas da cidade, 57 livros sobre o assunto não estão mais disponíveis.
O movimento tem feito com que as manifestações fora de Hong Kong ganhem cada vez mais espaço, com dissidentes exilados montando seus próprios museus em outros países. Para o próximo 4 de junho, vigílias serão realizadas globalmente, com a Anistia Internacional coordenando atos em mais de 20 cidades de maneira a “ exigir justiça e mostrar solidariedade a Hong Kong”.
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Um dos sobreviventes do massacre, Zhou Fengsuo, que mora nos Estados Unidos, disse ter visto cada vez mais jovens participando desses eventos nos países ocidentais, incluindo jovens recém-imigrados do território autônomo.
“Sou grato por Hong Kong nos últimos 30 anos ter carregado a tocha da comemoração de Tiananmen. Agora é nosso trabalho fazer isso fora de lá”, disse ele.